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A água suja das mãos de Pilatos escorreu sobre a terra chamada Palestina. Os dois acusados que ele julgava, Barrabás e Jesus, tinham o gentílico de palestinos. Por que um romano presidia o julgamento? O povo era da religião judaica e, três séculos antes, havia sucumbido à dominação pelo exército de Alexandre, a ponto de estátuas de Zeus ocuparem nichos no Templo de Jerusalém; depois, vieram os romanos para ficar mais 700 anos. Herodes, o matador de criancinhas, foi rei por decisão de Roma. Sob o império romano a população manteve resistência a aculturação, escudando-se principalmente na religião. No ano 70 da nossa era, os romanos destruíram o Templo e deram início a mais uma dispersão de povos judaicos. Depois disso, até o ano 638, a área foi ocupada por cultura greco-romana majoritariamente cristã. Essa data marca o início da dominação árabe e da presença da religião islâmica. Até então, falava-se hebraico, aramaico e grego como línguas correntes; após, o árabe se tornou hegemônico.

Os palestinos de hoje são fruto dessa miscelânea étnica, cultural e política. O gentílico para designá-los é o dos tempos remotos, relacionado ao nome do lugar, Palestina. Se Jesus nascesse ali hoje, o chamaríamos de palestino e, antes de dar origem à construção de nova religião, seria muçulmano como a maioria dos habitantes do lugar. A migração maciça de pessoas de religião judaica para a Palestina no final do século 19, início do 20, ensejou a criação de Estado, denominado de Israel, cuja existência está assentada em profecias que dizem ser essa a vontade de Deus.

Para famílias palestinas, 1948 foi angustiante; a criação de Israel as forçou a emigrar para os paises vizinhos em larga escala e até hoje têm o status de refugiados; 2010 vai se revelando o ano da redenção pelo reconhecimento brasileiro da existência do Estado da Palestina na base territorial demarcada com Israel antes da Guerra dos Seis Dias em 1967. Reconhecimento serôdio, é bom que se diga. O Brasil reconheceu Israel como Estado em 1947, ainda em cueiros. Devia igual atitude aos palestinos.

O reconhecimento do Estado da Palestina significa apoio à edificação da soberania política que os palestinos nunca tiveram, desde os primórdios da história. Gregos, romanos, otomanos, britânicos; nunca a identidade política coincidiu com a cultural e nacional. A manifestação brasileira tonifica o esforço da incipiente Autoridade Palestina de assegurar que suas decisões de condução das atividades públicas não fiquem susceptíveis ao referendum de Israel.

Sem fundamentação metafísica, a existência de dois Estados vizinhos, com pequeno território para cada um, torna-se menos difícil. Não há Deus que queira esse ou aquele povo para caminhar sobre a aridez da Palestina. As pessoas, a partir de suas convicções, decidem fixar-se e desenvolvem argumentos para legitimar a decisão. Discussões sobre a legitimidade calam diante das espadas que volta e meia cruzam o céu numa e noutra direção. Ex facto oritur ius diz a sabedoria jurídica ocidental. Do ponto de vista do tempo não há certo ou errado, há fatos. Consolidados, se firma o direito.

A diplomacia brasileira deixou de manifestar desacordo com a lapidação da iraniana acusada de adultério, com a prisão política em Cuba, a tortura em Guan­­­tâna­­­mo. Boas relações com Estados estrangeiros não exigem covardia diante da destruição da dignidade humana. O governo do Brasil deve expressar o que temos de melhor, sem que a firmeza dessa manifestação se confunda com inimizade. Não nos tornamos inimigos do Irã quando afirmamos que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres e que não admitimos penas cruéis. A diplomacia brasileira parece, algumas vezes, confundir pragmatismo com fraqueza de caráter. Foram tantos atos de má qualidade, reveladores do que temos de pior, que a atitude de reconhecer o Estado da Palestina como ente apto a estabelecer relações no cenário internacional é agradável surpresa para o Natal em Belém. Como se vê, nem tudo está perdido.

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