A multidão se comprime e caminha apressada como se estivesse em fuga organizada de alguma praga bíblica: gafanhotos, tufão horrendo. Ninguém dá uma paradinha para prosear, observar a paisagem, fotografar; zumbis marchando obcecados. Os menos preparados arfam e sua marcha lenta desagrada aos velozes que costuram o trânsito encontrado brechas entre os corpos que deambulam enquanto o vento frio desalinha os cabelos. Nas mentes, listas de compras são repassadas e calculadoras computam freneticamente os preços e fazem a conversão das moedas. Meus Deus! O real perdeu valor diante do dólar, tudo estará mais caro. Será que vale a pena?
Quinta Avenida, Macys, Saks, Prada, Victoria Secrets. Broadway, Calle Larga. Placas luminosas, camelôs vendendo frituras gordurentas, gorros, luvas, moletons, relógios que são "réplicas originais". De olhos cerrados não se consegue distinguir. O burburinho, as buzinas, a sofreguidão de consumo sensível no ar, são iguais. Pessoas comentam sobre preços, ofertas, promoções espetaculares, limites de compras e perigo de ser pego na alfândega. Que pândega! Lojas abarrotadas de gente, roupas espalhadas sobre mesas, araras desalinhadas com cabides pendurados em todas as direções, empregados falando castelhano como se fosse português. Nova York ou Paraguai?
Faltam braços para tantas sacolas. As mais afortunadas dispõem de carregador que pode ser marido, namorado, irmão, primo. Qualquer que seja o status, herói resignado, disciplinado como soldado, servindo na guerra cambial entre o real e o dólar. Melhor servir a patroa na guerra de preços, a servir a pátria de sangue, pensa o humilde carregador enquanto procura lugar seguro, trincheira para se proteger contra esbarrões, pisadas no pé, na confusão da loja; compras apoiadas no piso para aliviar a dor nas costas e o segurança olhando meio azedo como se prestes a flagrar um furto.
A fila para conseguir visto, o medo de ser reprovado e ficar com a sensação de que o Tio Sam o vê como indigente da periferia que está a fim de lavar pratos nalgum restaurante imundo, ou quem sabe, como sujeito perigoso para a segurança mundial. E você só quer ter a sensação de que o teu cartão de crédito tem poder. Deram o visto. Você se sente cidadão de primeira classe. Na verdade, o Tio Sam te vê como esbanjador de primeira classe. Yes, you can to buy.
A sanha eufórica para comprar parece histeria coletiva causada por sentimento difuso de que as coisas no exterior são melhores, muito mais baratas e que o real poderoso não vai durar. Movidos por esse desespero, milhões viajam para comprar. Antigamente, os portugueses vinham para conquistar a gente da terra com badulaques. Quem viajava eram eles. Ficávamos na rede, balouçando ao som de mar de Itapuã. Era muito melhor do que enfrentar policiais de imigração com cara de malvados, fazendo perguntas de modo inaudível e loucos para barrar alguém.
Smartphones, tablets, miçangas e espelhinhos dos novos ricos que os exibem como troféus de expedições ao exterior na qual venceram a guerra das compras.
Me dá um desconto?
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