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"No Brasil, veem-se muitas vezes crimes ... ficarem impunes, não só porque suas vastas florestas dão seguro asilo aos delinquentes, como a justiça pública mostra-se frouxa ou falta meios para se fazer respeitar, e a polícia é nula. Um homem, que comete um atentado, foge para outra província, ali passeia sem rebuço e ninguém lhe toma contas.

Quanto aos que buscam refúgio nos matos, não admira que estejam fora do alcance da ação legal, pois os meios de que esta careceria seriam por demais dispendiosos, mas em relação aos que se homiziam em outras províncias, a segurança de que vão gozar prova bem quanto é viciosa a administração."

O texto aspeado parece levemente de ontem porque alude às florestas. Fora isso, é atualíssimo. Ocorre que foi escrito em 1825 por Hércules Florence, desenhista francês que compôs a expedição fluvial do Tietê ao Amazonas, dirigida pelo Barão Langsdorff e estipendiada pela Rússia, sob o Czar Alexandre I.

Quase 200 anos depois, o olhar estrangeiro sobre o Brasil é o mesmo: "Tenha dinheiro para o ladrão" diz a Alemanha a seus nacionais que vierem para assistir aos jogos do Mundial. Os norte-americanos são alertados sobre o poder das organizações criminosas, inclusive na capital paulista, onde criminosos, de dentro dos presídios, fazem a cidade parar, incendeiam ônibus, explodem bancos. Além disso, os yankees são alertados para o aumento da criminalidade quando ocorrem apagões de energia elétrica. Aos argentinos é recomendado evitar a Linha Vermelha (via que liga o Aeroporto do Galeão à cidade do Rio de Janeiro) porque, no início da noite é comum que os bandidos ataquem os automóveis. O Canadá recomenda a seus cidadãos prestar atenção aos táxis para não serem vítimas de assalto em carros piratas e, nos autênticos, cuidar com o valor no taxímetro.

O Mundial de Futebol em 2014 e a Olimpíada em 2016 deveriam ser eventos mobilizadores de intenso esforço para fazer bonito perante o mundo. Não o exibicionismo de governantes, e sim exposição de amadurecimento institucional suficiente para que o país seja civilizado. As recomendações dos governos estrangeiros a seus nacionais que pretendem viajar para cá demonstram, à larga, que a chance de fazer feio é muito alta. Na verdade, angustia imaginar que os turistas serão vitimados pela violência, em quantidade escandalosa, e os bandidos ficarão impunes, folgazões, sem rebuço como ocorria à época da narrativa de Florence.

Do jeito que as coisas estão, as observações que os estrangeiros deixarão nos seus diários eletrônicos, publicados em escala mundial, pode ser muito mais acre que a dos viajantes do século 19. A má impressão custa caro a todos nós, reduzindo possibilidades no comércio internacional, nas ciências, nas artes porque somos lembrados pela selvageria, não pela bossa nova, a moda, a agricultura, a Embraer.

Crime é corrupção, não revolução. A criminalidade corrompe a confiança impessoal, pública, que propicia relações sociais amplas e produtivas. O medo enclausura, separa, afasta. Na terra de bandidos, não há república, nem democracia. O violento tiraniza os pacíficos.

A que serviu o Estado brasileiro nesses 200 anos se vivemos como nossos ancestrais?

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