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Quando o brado retumbante de Pedro I ecoou às margens do Ipiranga, o mundo era singelo e a bela exclamação não dava azo a dúvidas de interpretação: alcançaríamos o status de nação soberana ou morreríamos lutando. Passados quase 200 anos, as coisas se tornaram muito mais sofisticadas, a exemplo dos dilemas que enfrentaremos com o ouro negro que jaz no fundo mar. O petróleo é relevante para a independência, mas se a riqueza da nação depender dele, será a morte econômica. Parece um contra-senso, mas ele traz pobreza para os povos que o têm em abundância. Essa situação é conhecida como maldição do petróleo e não nos livraremos dela sem decisões importantes que devem ser tomadas com alguma brevidade, tendo em vista assegurar simultaneamente a autonomia energética e o estímulo ao desenvolvimento de ampla variedade de atividades produtivas desvinculadas do petróleo.

Para que um povo seja soberano, três autonomias são fundamentais: energética, alimentar e militar. Quando a paz permite o desenvolvimento do comércio internacional, a debilidade numa das autonomias não inviabiliza a existência do país, mas nas situações adversas a capacidade de produzir energia, alimentos e organização militar é que contam efetivamente para assegurar a independência. Em tese, só os países grandes são detentores das três autonomias, especialmente porque as duas primeiras dependem das condições naturais do solo (minérios e fertilidade). Na prática há situações mistas, nas quais recursos externos propiciam energia ou alimentos. A Arábia Saudita tem autonomia energética, mas não é auto-suficiente em alimentos. O Japão, carente de minérios (petróleo, urânio, ferro) e de solo agricultável, construiu força armada que rivalizou com a Rússia e os Estados Unidos na primeira metade do século 20. O Brasil dispõe de recursos naturais abundantes, mas a persistente imaturidade institucional dificulta consolidar a autonomia política.

O consumo excessivo de energia pode levar um grande produtor a perder a autonomia, tornando-se dependente de importações de petróleo e outras fontes, exigindo grande aparato militar para compensar a fragilidade energética. Os Estados Unidos são o exemplo mais evidente dessa situação. Para os americanos voltarem à segurança da autonomia energética, precisam reduzir pela metade o consumo do petróleo que usam para produzir eletricidade nas usinas térmicas, para mover os carrões e aquecer as casas. A vida confortável que fruem é devoradora de energia e, para não diminuir as comodidades, um dos desafios lançados pelo candidato Obama é eliminar as importações de petróleo nos próximos dez anos mediante a substituição por outras fontes de energia, especialmente as menos poluentes. Essa intenção sinaliza a diminuição da importância do petróleo no futuro. Se permitirmos que a nossa economia seja toda apoiada na petro-indústria, correremos o risco de empobrecer antes de ter enriquecido, além do atraso tecnológico pela aposta numa matriz energética obsoleta.

Há também o perigo de a exportação do petróleo valorizar em demasia a moeda brasileira, inviabilizando a venda ao exterior de produtos agrícolas e industriais, o que reduziria a diversidade da economia, concentrando a geração de renda numa única atividade. Isso é bem visível na Venezuela e na Bolívia. Ocorre que a concentração de poder econômico é tão perniciosa para a democracia quanto a de poder político. Se poucos são donos da bola, não há jogo limpo. A multidão de pequenos e médios empreendedores assegura diversidade produtiva e difusão do poder.

Para a lavra do petróleo é necessário montar uma cadeia produtiva de equipamentos, mas ela não é democrática porque há poucos compradores, caracterizando oligopsônio. Essa grave distorção da concorrência deprime a atividade econômica que não se anima nem com as encomendas tubos, peças, ferramentas, máquinas.

O petróleo é nosso. Oxalá, para a independência e não para a morte!

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