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A imagem da capa da Gazeta mostrando área rural onde recentemente foi derrubada uma floresta de araucárias causa a triste sensação de que o ecocídio está quase concluído. Contudo, se a mesma foto estivesse numa edição de 1960, a emoção seria de vitória sobre a natureza bravia e os textos de acompanhamento laudariam os pioneiros que estavam colonizando o Paraná. Araucárias, perobas, ipês, cedros, marfins iam ao chão para o plantio manual de feijão, milho, abóbora, hortelã. Quando meu avô paterno, reclamando em alemão da dificuldade de movimentar o arado entre as toras caídas, olhava para os vinte e cinco hectares da sua colônia, a derrubada da floresta a machado era atividade de heróis.

Com serras em lâminas movidas por dois homens faziam-se tábuas e com cunhas lascavam-se os troncos mais fibrosos para fazer telhas. As casas rudimentares que abrigaram os colonos assemelhavam-se aos paióis de ferramentas que se vê hoje nos sítios. Derrubar a floresta, amanhar a terra e produzir, essa a faina das pessoas de bem. Só os desidiosos deixavam o mato tomar conta. Essa visão de mundo pertencia a todos: elites e massa tinham orgulho dos campos e cidades; civilização onde havia selva. A euforia com a derrubada de um marfim que veio ao chão com um baque grave, ainda está na memória; a madeira alva de doer nos olhos, o aroma que nunca mais senti, fazem dessa lembrança recorrente um marco na mutação cultural que as duas últimas gerações viveram. Os homens intimoratos e seus machados foram deslocados da glória para a infâmia. Esse o espírito do nosso tempo.

Quando vieram as serrarias, movidas por motores diesel, a madeira mole dos pinheiros se transformava em forro da parte interna das casas e peças finas de acabamento dos ângulos retos, parecidas com as sancas de isopor utilizadas atualmente. Os mais pobres faziam a estrutura da casa com pinho e logo sofriam com o ataque dos cupins. O madeirame dos telhados arcava, as colunas e vigas perdiam o esquadro por força da sanha devoradora dos insetos. Essas casas entortavam e, ainda crianças, sabíamos que o pinho não era bom para edificar. Os assoalhos tinham longas e estreitas tábuas de ipê, encaixadas lado a lado. Como era difícil encerar à mão aquela madeira bonita que ficava coberta com uma pasta amarelada!

Sua majestade, o pinheiro do Paraná está com a existência em perigo. Parece uma notícia irreal, quando ainda está viva na lembrança uma regra do antigo Instituto Nacional do Pinho que proibia o corte de árvores com menos de um metro de diâmetro. A boa intenção da norma gerou uma seleção genética às avessas: todas as árvores grandes foram mortas, restando genes de exemplares mirrados que nunca serão colossos abraçados por três, quatro pessoas.

A beleza da araucária angustifólia cativou as pessoas que compreenderam o valor da preservação ambiental e se transformou num símbolo da cultura que aprecia a floresta. Porém, há uma arvore feiazinha, torta, que não tem forma definida, crescendo conforme o espaço circundante e as condições do solo, que também está quase extinta e ninguém luta por ela. O pinho-bravo, súdito da araucária, componente do sub-bosque que viceja à sombra dos pinheirais, é brasileiro legítimo e tem direito à existência. Sem pinhões, grimpas, pose altaneira, o podocarpus lambertii também precisa de fãs que o idolatrem e o ponham nas terras altas do Paraná.

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