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 | Gilberto Yamamoto
| Foto: Gilberto Yamamoto

Estará fechada? Viver com a angústia de bater na porta do céu e não ser recebido. Melhor é viver o paraíso real, não o virtual. As exasperações da realidade são bastantes; a elas somar tensões sobre julgamento posterior à vida! Não. Melhor viver a vida como única e finita. Assim, o tempo se torna muito mais precioso. Quem pode viver para sempre ou viver mais de uma vez, não o saboreia. Se o arranjo de matéria que gerou consciência não ocorrer nunca mais, a dignidade da vida é muito mais intensa. Artesanato, não indústria.

Batendo, batendo na porta do céu. Há alguma chance de sair vivo da vida? Desespero para chegar a algum lugar? Todos os lugares estão aqui e lá. São posicionais, não essenciais. A essência é se posicionar onde se está. Ser em todos os lugares; estar no lugar de viver a plenitude da imperfeição como a perfeição possível. Não se armar para não se desarmar à procura de portas para lugar que não existe. Sentir o voo pela imensidão da expectativa sobre o futuro sabido, o futuro desejado, os futuros possíveis e os surpreendentes.

Libelo epicurista. Não é isso. Não há oposição ao ascetismo estóico. O presente e o futuro ignorado aos incontidos e contidos pertence. Largar-se ao tempo como se ele não houvesse. Há, o sabemos. Mas não o queremos. Quem o quer tem e quem não quer, também. Qualquer coisa que as palavras façam, com a musicalidade para ativar a percepção, fazem muito mais. Portais de percepção. Antes químicos, agora eletrônicos e a crônica se traveste de poesia e a poesia que tudo palavreia, nada de crônico diz. E assim, o cronista, aprendiz de poeta, diz que a lua é cheia, minguante e meia, luz na areia mareia o infeliz.

Há tanto de sério a dizer. Para que dizê-lo se o mundo desdiz. Então que se viva o prazer da palavra-música, da música sem palavras, que comunica sentimentos, não fatos, obrigações, horários, cogitações. O contralto da Paula Fernandes ocupa o ambiente. A figura feminina, de proporção áurea, parece incapaz de produzir som tão grave. A voz faz a imaginação saltitar lépida como láparo. Olha que coisa, como o pensamento voa! Faz um minuto, conjecturas sobre a preciosidade da vida; agora, devaneios sobre a diva. A mente é cosmo menos explorado que as estrelas. Sabemos mais para fora do que para dentro.

Mas o céu segue sendo mistério. Não o ostentado no lábaro estrelado. A magia profunda está no céu imaginado; algo não observável pela ciência. Será que esse céu precisa de portas? Não faz sentido cercas delimitadoras do paraíso. Sem elas, não há portas. O primeiro que cercou o céu e disse é meu, assemelhou o paraíso ao inferno. Propriedade, onticamente excludente, foi a maçã da perdição. O céu não há de ser clube, com inclusão e exclusão. O céu é de todos. O Movimento dos Sem Céu, com flâmulas celestes ao vento, derribará portas e cercas.

Deixa tudo isso pra lá. Cantarolar "eu te darei o céu meu bem" é mais suave que discutir angústia celestial. Pensar na gatinha manhosa, que faz beicinho para ganhar carinho, espanta a solidão na escadaria do paraíso.

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