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Uma notícia de canto de página diz que em ju­­lho de 2007 motoristas bêbados destruíram 55 postes, 35 em julho de 2008 e 25 em 2009, na cidade de Curitiba. Em dois anos caiu pela metade o número de colisões com postes da rede elétrica. Essa diminuição pode parecer miudeza insignificante diante do número de acidentes de trânsito que continuam a ocorrer. Contudo, as trinta trombadas desse tipo que não ocorreram em 2009 pouparam sofrimento de muitas famílias, economizaram dinheiro público e mostraram que pequenas mu­­danças de comportamento podem gerar grandes efeitos sociais.

Sociedades em transformação acelerada têm acentuada litigiosidade porque carecem dos freios inibitórios que civilizam as relações entre as pessoas. Na multidão, todos são anônimos; um não conhece a reputação do outro, os parentes, os amigos. Com isso, a regulação da conduta fica a cargo das características íntimas do indivíduo ou, no outro extremo, ao encargo do Poder Público. Nos grupos de milhões de pessoas desaparecem os mecanismos médios de padronização do comportamento, restando apenas os mínimos (as regras morais) ou os máximos (as regras jurídicas). A insegurança que impregna a rotina tem como uma das causas a supressão dessas regras sociais entre os indivíduos.

E os postes com isso? Os trinta que não foram derrubados em julho são prova firme de que a opinião negativa das pessoas a respeito da embriaguez ao volante é capaz de levar os potenciais candidatos à má conduta a pensar duas vezes. Os indivíduos normais não se comportam de modo antissocial se não obtiverem o apoio de círculo mais próximo de pessoas. Os motoristas que destroem postes não bebem na solidão de suas casas; via de regra, o álcool é ingerido em eventos sociais, nos quais pessoas confraternizam, se alegram com a presença umas das outras e não há, nesses momentos, nenhuma expressão de contrariedade do grupo diante da conduta perigosa de dirigir alcoolizado. Até pouco tempo atrás, nas mesas de bar, se ouviam comentários vivazes sobre peripécias de motoristas ébrios e pouca gente, tida e havida como os chatos da turma, lembravam por alto que há perigo e a lei proíbe. Alguma coisa aconteceu nas rodinhas de boteco e os cuidadosos estão sendo bem vistos, se sentindo prestigiados e a bebedeira ao volante está saindo da categoria da traquinagem para a da estupidez boçal.

A mudança de atitude das pessoas que são referência de comportamento é capaz de influenciar a conduta de muitas outras. Atitude não é aquela palavra oca das passarelas, algo como fazer caras, bocas e olhares, mantendo o cérebro completamente sem uso. Atitude é a definição de posturas diante das situações da vida. O posicionamento firme contra a mistura de direção e álcool de alguns curitibanos em julho ocasionou resultado positivo para a coletividade. Ainda que essas pessoas não se conheçam, o fato de assumirem a responsabilidade do bem-estar da comunidade para si, sem esperar que a Polícia, o Judi­­ciário, o governo, fizesse alguma coisa, deixou os dias de julho menos cinzentos.

Numa cidade grande, com quase 2 milhões de pessoas, não se tem conhecimento da história e da honorabilidade das pessoas que estão no outro carro, no banco da frente do ônibus, na fila do banco. A carência de informação dá a sensação de solidão social, de não pertencer a uma teia de relações que sustém a vida coletiva. Por isso, pessoas que são referências comportamentais têm o dever de difundir a valorização das atitudes pequenas, para que a lei seca não seja vista como imposição do Poder Pú­­blico, mas sim como postura da coletividade em relação à rotina do trânsito.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

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