Menino, coma que te faz bem! Arroz, feijão, bifinho, tomate, ovo frito, farinha. Exis­­te uma saudade que se aguça pelo olfato e faz imagens reais e imaginárias voarem no céu dos neurônios. Será que a geração de pessoas saciadas com alimentos industrializados vai ter esse prazer? Um sanduíche melequento, gorduroso, vai dar a mesma saudade gostosa? A mama na cozinha, as obrigações de ir à venda, ao açougue para comprar os itens do almoço, arrumar a me­­sa, lavar a louça, enxugar, guardar, a divisão das tarefas entre irmãos. O principal valor da alimentação à antiga é a dedicação familiar ao preparo da refeição.

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Restaurante; coisa rara, reservada para situações difíceis em viagem. Normalmente se levava farnel com frango assado, farofa, arroz e tomate. Para beber, água. Parava-se naqueles recantos à beira-rio, a louça era lavada e se ia adiante. Vem à memória um desses recantos, no Rio Diamante, ao sul de Jaguariaíva; lugar bonito, água frígida, deserto. Nesses tempos de medo, não é prudente estacionar na estrada. Em Foz do Iguaçu também havia recanto à margem de um riacho, na estrada para as Cataratas. Muitas fa­­mílias de visitantes paravam ali para a refeição e descanso; igual ao ho­­rário de recreio na escola, tantas eram as crianças. As chegadas à ca­­sa dos parentes eram comemoradas com almoços mo­­destos pa­­ra os padrões atuais. Avó, tias; ma­­carronada com carne moída, deliciosa! Quando mui­­to, um pernil de porco; para beber, limonada.

Nas muitas mudanças do modo de viver, me chama a atenção o fato de que a comida feita nas fábricas é mais barata que a de casa. A organização familiar até os anos setenta era apoiada no marido trabalhando fora do lar e a mulher, rodeada de filhos, nas lides domésticas. Hoje, as famílias ficaram menores, a maioria das mulheres trabalha fora de casa, o trabalho doméstico feito por empregados se tornou caro. Alimentar-se em casa é luxo dos ricos na vida moderna. É o oposto do passado, quando ir a restaurante era chique, algo de grã-fino. Diga-se, nas cidades grandes, tempo para almoçar e jantar em casa é algo excepcional. Pegar uma caixa de papel, congelada, com a estampa de lasanha, levá-la ao microondas, sentir o cheiro esquisito se espalhar no apartamento minúsculo; isso não deixa nenhuma saudade. A praticidade é o túmulo da poesia que exala de um pratinho moderado de arroz e feijão.

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Pode-se objetar com a lembrança do churrasco na laje que reúne pessoas para prosas frouxas nos fins de semana. A parte social é interessante, mas os alimentos não deixam boas recordações. De sociedade famélica, se passou muito, muito rapidamente para a glutonice; cada homo sapiens devora volumes de alimentos e bebidas como se quisesse compensar o jejum de todos os primatas desde a origem dos tempos. A ficção científica imaginava que pílulas alimentariam a humanidade em 2000; ledo engano. Nunca antes nesse país, nem no mundo, se comeu tanto e tão mal. Não porque haja conspiração entre a CIA, ET’s e a máfia do Casaquistão; as máquinas fazem alimentos que dão sensação de saciedade, mas não nutrem de modo adequado. Contudo, são mais baratos.

Quando se troca o trabalho de preparar alimentos por momentos de folga, é compreensível. Porém, se está criando uma geração inteira longe da cozinha e, mais do que isso, com a ideia de que cozinhar em casa é indigno, que o máximo dos máximos é comprar comida pronta. Sei que há aspectos de saúde pública em jogo, mas o que me chama a aten­­ção é bem mais simples: a memória dos aromas, da comunhão de trabalho em casa, ainda que a rotina dura impusesse porções pequenas de frango ou de bife num prato cheio de feijão.

Não daria pra cantar: prepara aquele feijão preto que eu tô voltando. Na situação moderna o exilado não teria nenhuma saudade da comida a quilo ou das "paladaricidas" lanchonetes fast food.

A propósito, nunca suportei chuchu!

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito na UTP

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