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Ao observar um mapa do Brasil que mede quatro metros quadrados e es­­tá afixado numa parede, perco o fôlego: como o país é grande! São mais de 4 mil quilômetros de norte a sul e de leste a oeste. Ao incluir os rochedos de São Pedro e São Paulo, ponto extremo no Nordeste, as distâncias ficam mais espetaculares. Diante dessa imensidão no solo e no mar, surge a indagação sobre como foi construída e consolidada a ocupação tendo em conta que o espaço é finito e muitos povos o disputam. Entusiasmar-se diante do gigantismo do Brasil não significa ufanar-se em detrimento de nações com territórios menores; reconhecer a grandeza é o primeiro passo para assumir as responsabilidades pertinentes.

O homo brasiliensis começou a se firmar culturalmente a partir dos anos 30 do século passado. Só nesse momento se instala a sensação de que os aqui viventes não enriquecerão de súbito e voltarão milionários para se pavonear na corte em Lisboa. Quem aqui está ficará e o am­­biente natural e cultural que desenvolver será legado a seus descendentes. Cortez queimou as caravelas na primeira viagem para marcar a ideia de que não haveria fuga; nós demoramos mais de quatrocentos anos para raciocinar a partir do pressuposto de não retornar. A sensação de presença provisória numa terra distante talvez tenha contribuído para a sensação de inferioridade diante de outros povos, com a consequente mitigação de nossos valores.

Os governos militares exageraram na propaganda das qualidades do Brasil, como se elas fossem produto daquela conjuntura política. O ocaso do regime mi­­litar produziu, entre outras consequências, uma repulsa pe­­las manifestações de admiração e alegria diante das grandezas do nosso território. Falar sobre as montanhas, os rios, as jazidas, os so­­los de gra­­nito e de sedimentos, o mar territorial, a plataforma continental, o poético entardecer no Rio Xingu, a bio­­diversidade, ficou fora de mo­­da. Aos jo­­vens, escolarizados nu­­ma preten­­sa educação crítica, não se deu a mí­­nima noção do significado de 8 mi­­lhões de quilômetros qua­­drados, não foi mostrada a Ama­­zônia Azul. Quem não co­­nhece o que é seu não cuida.

A grandeza territorial é ato, não fato. O Brasil, com a sua con­­formação atual não se fez a partir de uma linha evolutiva explicável pelo raciocínio de Darwin. Foram pessoas que lutaram pela expansão territorial e manutenção da unidade política. Dentre as muitas biografias que merecem destaque, ao olhar o mapa me veio à me­­mória as peripécias do Marechal Cândido Rondon, mato-grossense de Mimoso. Astrônomo, ma­­temático, poderia ter se dedicado à pesquisa científica, mas preferiu uma vi­­da de ação intensa, contribuindo para consolidar a unidade dos brasileiros espalhados pela vastidão das terras do Noroeste do país. Es­­tendeu linhas telegráficas através da Floresta Amazônica, promoveu a pacificação das relações entre indígenas e colonos, espalhou marcos nas fronteiras desde as Guianas até a Argen­­tina. Para perceber a intrepidez, basta imaginar uma caminhada de quase 17 mil quilômetros cortando selva, montanha, pântanos.

A referência moderna da va­­lentia aparece na figura de In­­diana Jones. Rondon foi muito, muito mais inteligente e superior de espírito: nunca matou, afirmando que morreria, mas não mataria; nunca colheu tesouros para expor em museus, destruindo hábitos e culturas. Rondon, ao executar as suas fainas épicas, propiciou que os brasileiros conhecessem o Brasil, criando as condições para o sentimento de pertença à na­­cio­­nalidade.

No mapa, Rondônia homenageia esse herói, a cidade de Ma­­rechal Cândido Rondon no Pa­­raná o recorda. Não basta se os brasileiros jovens não ligarem as palavras às ações de Rondon. Precisam saber que o seu espaço no mundo foi definido com firmeza na ação por um homem chamado Cândido.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito na UTP.

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