O primeiro debate entre os candidatos a presidente causou mais sono que os jogos do Brasil na Copa do Mundo, mas ainda as­­sim uma oração da Marina Silva, em resposta aos adjetivos de "poliana" e "ecocapitalista" que lhes foram dirigidos por Plínio Sampaio, valeu o tempo defronte ao televisor: "Se você rotula uma pessoa, você não precisa de­­bater com ela". À parte a formulação extremamente coloquial, a ideia transmitida é muito poderosa em tempos de abundância adjetival e carência substancial. Desqualificar a pessoa que expõe tese, para não avançar no processo dialético de apresentação de antítese e construção de sínteses, é técnica primária para vencer qualquer discussão mesmo sem ter razão, seja no âmbito da família, da universidade, da política. Qualificar o parente de mentiroso antes de conhecer os fatos e motivos de alguma atitude; im­­putar a pecha de racista a alguém que pretenda questionar os ca­­minhos para que a sociedade bra­­sileira seja pluralidade una, onde a cor esteja na epiderme, não no cérebro; atribuir o epíteto de capitalista, em tom pejorativo, a quem pretenda abrir o de­­ba­­te sobre a cientificidade da te­­se de Marx, são modos de fugir à essência dos temas que estão em debate. Ataca-se o mensageiro, não a mensagem. Nesse erro dos críticos, se dificulta a crítica dos erros.

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A crítica à pessoa esteriliza o ambiente intelectual e dá azo à hegemonia dos preconceitos e dogmas; sem expor as ideias à contestação de outras ideias, as pessoas se apegam àquilo em que acreditam, sejam ou não crenças aptas a propiciar desenvolvimento econômico e social. Em ambiente pobre de inteligência, todos pensam que sabem tu­­do sobre tudo; o ignorante que acredita que sabe se torna militante da obstrução à inteligência.

As universidades deveriam ser ambientes abertos à contestação contínua de ideias, com o refinamento e construção de novos pensamentos calcados na convicção de que não são definitivos, perpétuos; são apenas a melhor ideia até que fatos ainda desconhecidos sejam aclarados e as teses que eram as boas para a época soçobrem diante de ou­­tras. Presas ao ideário de seus do­­nos ou, nas escolas públicas on­­de patrulhas do pensamento ten­­tam ditar o que é politicamen­­te correto, as universidades brasileiras pouco contribuem para o avanço do estado da arte do pensamento puro, livre da contaminação de seu veiculador ocasional. Não custa dizer, o pensamen­­to sobrevive ao pensador.

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Os debates eleitorais não têm, certamente, nenhuma pretensão acadêmica. O intento é persuadir os eleitores e obter vitória na eleição. Açular os estereótipos, os rótulos, pode contribuir para o projeto de poder de al­­guém carismático ou de um ou outro partido, mas apequena o momento máximo para o exercício do poder de convencimento, ao qual o filósofo Bobbio atribui o nome de poder ideológico, aquele derivado das ideias. Os candidatos, cândidos por definição, não expõem pensamentos em temas delicados como aborto, pena de morte, modulação de benefícios sociais ao estilo Bolsa Família, alcance de garantias previdenciárias, peso do Estado no bolso de cada um dos estratos econômicos da sociedade, para evitar que os concorrentes, fugindo do enfrentamento dialético, simplesmente pespeguem pechas que podem colar e inviabilizar a candidatura.

Diretamente proporcional à amplitude da responsabilidade política (municipal, estadual, federal) está a responsabilidade pela qualidade do processo eleitoral. Os danos de candidaturas rudes, inapetentes para o debate de ideias, num município de 2 mil habitantes é muito menor que a vacuidade ideológica dos pretendentes a dirigir país de 200 milhões de pessoas. Os candidatos têm o dever de dizer substancialmente a que vieram.

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