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Raramente apenas uma cena tem o poder de sintetizar enredos longos. A parte oriental da Segunda Guerra Mundial começou em 1937 e terminou em agosto de 1945; mais demorada que o front ocidental, matou muita gente, redesenhou o mapa da Ásia e Oceania, fez ruir os impérios britânico, francês e holandês. Duas bombas apocalípticas foram usadas. É difícil resumir a epopeia, mas seis soldados norte-americanos sujos, com aspecto estafado, levantando a Bandeira em Iwo Jima, conseguiram essa proeza com gestos denotativos de cooperação e sensação de alívio. Vale lembrar que três deles pereceram em batalhas seguintes.

A guerra do Rio de Janeiro dura trinta anos e só agora se conseguiu hastear a bandeira brasileira sobre uma obra pública (a estação terminal do teleférico)! Essa exclamação solta do contexto pode parecer resultado de equívoco sobre os fatos ou narrativa lunática, coisa de doido. Porém não é. Os fatos são exatamente esses e, se há alguma loucura, a normalidade é que foi trancafiada no hospício. A flâmula ondeia ao vento do morro dos crimes uivantes; está onde antes pessoas eram cremadas envoltas em pneus como castigo por espionagem, traição, dívidas, deserção. A alegria de ver os soldados do Bope reproduzirem a cena de Iwo Jima não oculta a tristeza das décadas de entrega daquela população ao jugo dos bandidos. Retomou-se o que nunca deveria ter sido perdido. Perder o controle sobre o próprio território é atestado de cabal incompetência para manter o serviço mais primário atribuído ao Estado: segurança.

Ufanam-se os políticos pela retomada do território, confisco de drogas, armas e bens dos bandidos. Ora, esquecem-se que permitiram a criação de milícia com centenas homens portando armamento militar. Não houve simples diligência policial, foi operação de guerra, como se o inimigo tivesse estatura semelhante. Quem permitiu que bandidos ganhassem músculos nessa escala? Como, dentro do nosso país, autoridades públicas precisam circular pelas ruas em tanques blindados, capazes de vencer obstáculos intransponíveis a veículos comuns? Fragmentos desse filme já foram vistos outras vezes, inclusive na Convenção Mundial do Clima, a Rio 92, há dezoito anos. A conquista do Morro do Alemão é capítulo ou epílogo desse teatro?

A latere desses aspectos, fico imaginando o que vai pela mente de quem fez a apologia do uso das drogas, incitando jovens a se tornarem escravos químicos. Cantaram as viagens químicas como liberdade, como meio de expressão da rebeldia sem causa, como modo de viver intensamente. Será que algumas figuras relevantes colocarão a mão na consciência e sugerirão, ainda que a voz pequena, que o melhor meio de eliminar o tráfico e a violência inerente, é não consumir?

Traficar é comerciar. A palavra ganhou a conotação atual, pejorativa, porque seu uso se restringiu ao comércio de drogas proibidas por lei. De qualquer modo, o sentido original de comércio permanece. Venda e compra. As toneladas de maconha, cocaína e crack seriam consumidas por quantas pessoas? Certamente, os dedos das mãos e pés não os contam, pois as doses são em poucos gramas e o estoque apreendido exigiu comboio de caminhões para o transporte. Esses milhares, talvez milhão, de consumidores não se sentem nem um pouquinho responsáveis pela violência que espalha tristeza? A violência do tráfico é a forma mais bruta do capitalismo; é a competição da natureza, antes da presença do Estado. Essa violência não é parte do processo revolucionário no caminho do socialismo como alguns, infantilmente, ainda imaginam. Os moradores do Morro do Alemão não viviam no éden comunista: eles estavam no inferno mais infernal e dantesco que a maldade humana pode produzir.

Parabéns aos policiais e militares que atuaram na operação. Aos políticos, a reiteração da pergunta: por que deixaram a situação chegar a esse ponto? Viveremos isso outras vezes? É de se augurar que a Bandeira da nossa pátria, com as suas conotações, nunca mais seja arriada em nenhuma parte do Brasil.

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