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À primeira audição a pluralidade de pensamento parece cacofônica. Muita gente pensando e se expressando de modo diferente gera uma balbúrdia atordoante. As preferências e opções individualizam cada pessoa, dão a ela um tom peculiar na sonoridade social. Essa singularidade causa a impressão de desarmonia por falta de semelhança, já que cada um se orienta pelas suas escolhas. Tem-se a impressão de que não há comunidade.

Para a constituição de pequenos grupos de pessoas, a exemplo de clube ou empresa, imprescindível haver concordância sobre o propósito. Se houver discordância, as pessoas desfazem o grupo. Todavia, no maior de todos os grupos, a Sociedade, organizada ou não em Estado, a variedade de interesses e de propósitos individuais é de tal amplitude que não há possibilidade, salvo imposição forçada, de haver concordância sobre todos ou, ao menos, a maioria dos assuntos. Além disso, não é possível à Raul Seixas dizer: "pare o Mundo que eu quero descer". O indivíduo não tem em sua caixa de ferramentas uma chave para abrir a porta para uma sociedade alternativa. O fragor da pluralidade é o som ambiente da vida.

Pode-se reduzir ou suprimir a manifestação da variedade de pensamentos e propósitos individuais. Por meio da força, instrumento par excellence do poder político, é possível impor pensamento único sobre economia, religião, casamento, procriação, alimentação, labor, raça, predileções sexuais, lúdicas. Todavia, sociedades vendadas e amordaçadas pelo pensamento único não são democráticas, ainda que usem essa palavra nos rótulos de apresentação escrita de suas normas. A sociodiversidade é conditio sine qua da democracia.

Sociedades moldadas pelo pensamento único ou pela escassez de diversidade rumam à estagnação e fenecimento no processo de seleção cultural. Ainda que essa analogia entre a vida biológica e a vida social soe hiperbólica, o fato é que não há registro de guerra entre democracias e de violações massivas e orquestradas de direitos de minorias. A idéia mater desse raciocínio é a da democracia como um valor absoluto, não susceptível a contingências, a relativizações culturais.

A multímoda expressão das individualidades tem por pressuposto a liberdade. As pessoas, ao exercerem a liberdade, produzem a sociodiversidade. Ações do Estado tendentes a reduzir a diversidade maculam a liberdade e, levadas ao extremo, a suprimem. O repúdio à discriminação visa manter a sociodiversidade não porque devamos ser afáveis com o próximo. Não se tem a expectativa de construir uma democracia apenas se houver pessoas boas; o desenho institucional que tem a liberdade por alicerce almeja a democracia apesar da humanidade. Aceitação ou repúdio difusos às expressões da diversidade são irrelevantes para a sanidade do sistema, pois também faz parte da diversidade não gostar disso ou daquilo. Discriminar uma pessoa porque ela não gosta da opção sexual, política, lúdica da outra, é atentar contra a diversidade. Impor a diversidade contraria a liberdade individual. O combate deve ocorrer contra a discriminação articulada em força política; aí sim existe o risco de redução ou supressão da pluralidade, situação que enferruja a estrutura da democracia.

A diversidade não deve ser simplesmente tolerada, pois a mera tolerância tem algo de rancoroso. Ela de ser apreciada como produto de uma sociedade democrática que tem a liberdade como lastro propiciador de estabilidade e de boas condições de convivência. A sinfonia da democracia depende da partitura, não do maestro. Será que as leis são importantes demais para serem feitas pelos Parlamentares?

Friedmann Wendpap é juiz federal.

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