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O disco girava na vitrola emitindo mais chiados que música, mas o encanto do piano tocando a música que celebra a árvore de Natal enchia a alma de alegria. O coro em alemão repetia o refrão depois da solista dizer que ela ficava verde nos dias brilhantes do verão e mantinha a cor nos dias brancos do inverno para o deleite dos olhos. No pinheirinho da sala, assentados numa lata grande, com terra e pedras para dar equilíbrio, flocos de algodão imitavam a neve da capa do disco. Não havia ceia no dia 24; a grande alegria era acordar cedo no dia 25 para ver os presentes que o Papai Noel havia deixado sob a árvore; um para cada pessoa. Não existia fartura opulenta e sabíamos que o brinquedo deveria durar até o próximo Natal. A sinoficação do mundo ainda não começara e não tínhamos sido contaminados pela descartabilidade que alterou muito o modo das pessoas jovens se relacionarem com os objetos.

Vejo a árvore na casa dos velhos e começo a perceber os detalhes da armação plástica em formato de conífera cheia de enfeites que eu não conhecia; luminosos, piscantes, estroboscópicos e, sob a feérica iluminação, latas de panetone italiano, sacos vermelhos, grandes, com o nome de cada neto e sobrinho escrito com cola dourada. O arranjo é bonito, a piazada se diverte com a expectativa de abrir os sacos e até fazem isso escondidos da avó. O meu Natal pouco se distinguia daquele vivido pelos meus ancestrais; o dos meus filhos e sobrinhos é muito diferente do meu; daqui a 30 anos os meus filhos terão a mesma nostalgia que sinto agora?

A impressão que perpassa minha alma é de perda de substância emocional do Natal. Parece que se tornou mais uma das datas comerciais importantes, tal qual Dia das Mães, pais, crianças, carnaval, réveillon. Talvez a madureza tenha expungido de mim o sentimento de reflexão sobre o ano que findava e a abertura de novo ciclo para agir de modo mais correto do que houvera feito até então. A vida agora é plana, linha não qual não há paradas para pensar e recomeçar. Não há ciclo a terminar e iniciar, apenas caminhar, seguir adiante. Talvez eu tenha mudado e o Natal ainda seja o mesmo para as crianças. Pode ser. Não sei e nunca saberei porque o universo fantástico que habita o espírito infantil não dura. Perene, a adulta secura das preocupações com o trabalho, a educação dos filhos, a inflação, as goteiras da chuvarada de inverno no verão, o vazamento na pia.

O pinheirinho chinês continua brilhando e ouço a voz poderosa do Axl Rose no fone de ouvido de uma sobrinha cantando a necessidade de um pouco de paciência. Peço os fones e me entrego à emoção juvenil de dizer que é preciso dar tempo ao tempo enquanto a música belíssima me transporta para o cenário imaginário no qual caminho por ruas iguais, no frio da madrugada, para pôr a cabeça no lugar enquanto o coração explode apaixonado pela vida intensa que o tempo vai esmaecendo. A mão no meu braço me chama à realidade: tio, estou indo embora. Entrego os fones antes da música acabar e fico com uma mistura das duas melodias flutuando pela mente; O Tannenbaum e Patience mescladas são impossibilidade lógica, mas não consigo me desfazer do grude das duas no cantarolar desafinado que me acompanhou até o sono.

Tempos modernos! A música que enchia os ouvidos de uma pessoa jovem diante do Tannenbaum (árvore de Natal) era de uma banda de Rock dos anos 90; coisa antiga segundo a menina. Fiquei refletindo sobre a memória do Natal de outrora e tive a impressão de que cada geração tem o seu tempo e todos terão saudade. Assim, se para as crianças o Natal tem as emoções da renovação, do Papai Noel, para os velhos, ele intensifica a nostalgia e, de certa forma, o passado é que nos empurra para o futuro. Feliz Natal!

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