Tiananmen outra vez?

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No verão boreal de 1989, milhares de chineses ocuparam a Praça da Paz Celestial, em Pequim, pedindo reformas econômicas e políticas. Capitalismo e democracia. O Politburo do governo titubeou algumas semanas sobre o modo como reagir e, no início de junho, os tanques moeram as pessoas sobre o asfalto. Carnificina no sentido literal.

Não havia a profusão de cinegrafistas de hoje e poucas imagens restam da violência. Contudo, uma delas permanece icônica: a coluna de blindados estanca diante de um homem que se recusa a sair do caminho; o piloto manobra o veículo para a direita, esquerda e o teimoso permanece na frente. A simbologia do indivíduo contra o Estado está inteira naquela cena. A partícula contra o todo; o peixe miúdo contra o Leviatã; o fraco contra o forte.

Seis meses depois de Pequim, caiu o muro em Berlim e a União Soviética desmoronou como castelo de brinquedo, feito de blocos de madeira. 1989 foi de tirar o fôlego.

Em 1999, o Reino Unido devolveu Hong Kong à China. O enclave, que ficou 100 anos sob domínio britânico, se tornou curioso amálgama entre o Oriente e o Ocidente. Salamaleques da monarquia misturados ao pragmatismo chinês. O território reincorporado manteve status político levemente distinto das outras províncias e continuou respirando ares políticos menos asfixiantes. Assim, a livre iniciativa econômica foi convivendo com um pouquinho de liberdade para dissentir das diretrizes políticas do partido único.

Todavia, sempre chega a hora de a onça beber água. Usando os poucos espaços políticos admitidos por Pequim, estudantes foram às ruas protestar contra restrições às candidaturas para qualquer cargo eletivo. Querem liberdade para se candidatar, quer seja para síndico do prédio ou governador da província. Democracia é a palavra de ordem.

As vielas de Hong Kong impedem o uso de carros de combate para esmagar os revoltosos. A ação policial já tentada incitou mais pessoas a aderir. Ao que tudo indica, o desfecho será diferente de Tiananmen. Sem mão de ferro, será necessária habilidade política, cedendo o suficiente para retomar a rotina e, ao mesmo tempo, não contaminar o resto da China.

A Maonomics – trocadilho em inglês que junta o nome do Grande Timoneiro com a palavra economia – é muito bem sucedida e os chineses estão enriquecendo. Ocorre que o sujeito adquire bens materiais e culturais, viaja pelo mundo, vê o modo como o Ocidente lida com o dissenso político e começa a desejar o plus de riqueza que lhe falta.

A formação do Estado chinês ocorreu quando os europeus ainda não sabiam usar arco e flecha. Pequim já abria estradas, cobrava tributos, regulava a distribuição e registro de propriedades rurais e urbanas. O mandarinato foi a quintessência da burocracia weberiana. Porém, essa história tem a marca da concentração do poder, o avesso da democracia.

Agora, resta augurar que os acontecimentos caminhem pela composição e participação ampla e não por algo parecido com a Revolução Cultural de 1966, com expurgos, exílios e paredón.

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