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We are all just prisoners here of our own device

 | Felipe Lima
(Foto: Felipe Lima)

O verso é da canção Hotel California, que preenchia o ambiente enquanto eu acompanhava os comentários sobre a apuração dos votos na Argentina. Sim, nós todos somos prisioneiros das nossas próprias armações. No contexto do poema musical narrativo, a moça que bebe champagne rosa enquanto se fita no espelho do teto filosofa com o protagonista e diz que não consegue largar a vida torta por mais que dor e prazer se confundam. Lembra a tigresa de unhas negras que gostava de política em 66 e em 77 dança no Frenetic Dancing Days. Com alguns homens foi feliz; com outros, mulher. Nas duas situações, a mesma melancolia.

Ops, e a Argentina? Ah, sim. Capturada pelas suas próprias armadilhas que a enforcam quando se move, a Argentina está paralisada, presa na cilada do peronismo. Diga-se que a política platina é igual a sessão espírita: funciona invocando mortos. Perón, Evita, Isabelita, Nestor Kirchner. Acrescentou-se Simón Bolívar e até Hugo Chávez ao rol dos invocados para incorporação nos comícios e pronunciamentos. Cristina Kirchner atua mais como mãe de santo do que presidente de república laica. Falando sério, o passado move o processo político local, não o futuro.

Os argentinos se lembram demais. Nós esquecemos em demasia

No Brasil exageramos no sentido oposto e olvidamos os políticos bons e ruins com impressionante ligeireza. Nem os brasileiros cultos sabem o nome dos dois imperadores e de todos os chefes de Estado da República. O eleitorado comum mal e mal sabe quem é FHC, muito menos se lembra de Getúlio, Juscelino, Dutra, Tancredo ou da presidência do Sarney. O pretérito aqui nada significa na política. Santo ou demônio, o agente político parece ter saído abruptamente de algum buraco ou caído do céu, pronto, adulto. Do jeito que veio, some, dissipa na bruma do esquecimento.

Nomes de rua não evocam a pessoa que era identificada por eles. Deodoro e Floriano são apenas esquina no centro das cidades. Presidente Carlos Cavalcanti! Presidente do quê? Do Atlético? Ah, me pegou, era do Ferroviário. Datas, então, ninguém sabe o significado. Rua XV de Novembro, Praça 29 de Março, Praça 19 de Dezembro. Opa, essa é a dos pelados! Emancipação do Paraná? O que é emancipação?

A liberdade em relação ao passado é bônus no sentido de que não tivemos e não temos próceres carismáticos cujos nomes batizam correntes políticas. Assim, não projetam sua personalidade para além do seu tempo. A armadilha que nos aprisiona é a ignorância. O ônus é cometer os mesmos erros. Só falta um novo Plano Cruzado e as pessoas ficarem encantadas com o congelamento de preços, imaginando que passes de mágica modelam a realidade ao bel prazer do mago. Até a tal “Nova Matriz Econômica” de nova nada tem. É repetição de ideias e ações que engendraram o “milagre econômico” do regime militar no início dos anos 70.

Os argentinos se lembram demais. Nós esquecemos em demasia. A interpretação acústica prossegue e o cantor diz que alguns dançam para lembrar e outros para esquecer, mas de qualquer modo ninguém conseguirá escapar desse local tão encantador que parece céu e inferno.

Pela primeira vez haverá segundo turno na eleição presidencial platina. Oxalá encontrem a porta de saída do Hotel Califórnia.

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