Sim. E tão ampla e verdadeiramente. histórica que deveria ser cognominada como "a mais histórica das doenças". É verdade. Embora cada doença tenha a sua particular historia, essa, sobre a qual vamos comentar, como nenhuma outra, enriqueceu os tempos com seus conteúdos.
Trata-se da hanseníase (nome brasileiro), uma patologia que é chamada, em outros paises, como lepra, morféia, mal de lázaro... Vale a pena conhece-la, pois as suas realidades extrapolam o domínio simplesmente médico para projetarem-na nos âmbitos filosófico, religioso, social e outros.
Conhecer, mesmo um pouco, de tudo que aconteceu a esse respeito é muito valioso pois, além do sabor cultural que experimentará, poderá ouvir soarem os sinos da eternidade; ora como réquiem aos muitos que já sofreram com a doença, era em louvor àqueles que se dedicaram a encarar e buscar soluções para os problemas criados por ela.
Digamos, também, que esta extraordinária historia ainda não teve o seu epílogo, pois, em verdade, ainda está em plena realização.
Nos tempos bíblicos
A historia da hanseníase tem seu inicio há mais de um milênio antes de Cristo. Segundo o relato bíblico (livro do Levítico, Cap.13) foi o Senhor Deus que relatou a Moises as leis relativas a uma doença chamada lepra. O interessante é que os sintomas mencionados não coincidem com os que mais tarde e até nossos dias caracterizam os da verdadeira hanseníase. Mas o importante é que o então portador da referida doença bíblica era também colocado numa condição de impureza. Isso, como elemento histórico importante, constituiu-se como permanente elemento uma herança que não se apagou até nossos atuais dias.
Passados os tempos bíblicos, vamos encontrar menções sobre um mesmo estigmatizante mal na Idade Média (séculos V a XV). As descrições dos sintomas são mais coincidentes com os da hanseníase que, conforme menções feitas, assolou grandemente o Continente e chegou a exigir centenas de pequenas leproserias para o recolhimento e isolamento dos doentes de um mal altamente contagiante. A partir de então a chamada lepra manifestou-se em quase todos os paises do mundo, desaparecendo daqueles que se tornaram "adiantados". Persistindo naqueles considerados "em desenvolvimento", inclusive o nosso Brasil.
Período científico
A partir de meados do século XIX a hanseníase começou a ser considerada sob critérios satisfatoriamente científicos. Heraclydes Souza Araújo, leprólogo brasileiro, acha que, à Noruega, deve ser concedido o maior mérito a esse respeito.
Foi lá que, em 1848, Danielssem e Boech publicaram o primeiro estudo sistemático da doença. Lá, também, em 1868, Armauer Hansen descobre a bactéria causadora da doença, anulando, assim, a idéia de que ela seria hereditária.
A partir daí, cresceu no mundo todo o interesse pelo estudo da doença que contou, também, com a participação brasileira. Seria longo o trabalho de enunciar todos os progressos alcançados. Dois dentre eles não podem deixar de ser mencionados: a constatação de formas benignas da doença; a descoberta da sulfonoterapia, a única terapêutica até então satisfatória. Estas conquistas permitiram olhar a doença com melhores olhos, inclusive a abolição do isolamento obrigatório dos doentes.
A má herança sobre a hanseníase foi tão grande que ainda há o que fazer até a conquista da vitória final.
Na atualidade
O nosso país deu um importante passo contra uma funesta herança denominada lepra. Concedeu-lhe um outro nome. Com razão. O doente de hanseníase uma doença que, em geral, não anula as capacidades físicas pode viver e conviver livremente no meio social, uma vez que se trate convenientemente. Vale-se esta regalia das insuficientes provas da transmissão da doença pelo contágio direito de pessoa a pessoa. Resta, pois, um assunto a ser resolvido.
Ruy Miranda é professor de Medicina