Cada vez mais longe dos fins de tarde em que meu pai me levava para tomarmos um refresco no restaurante DuLar, no bairro de Campos Elíseos, em São Paulo. Ele ia de meia cerveja e eu pedia uma garrafinha Gini; levávamos para casa uma porção de frango a passarinho, para o jantar com Aracy e Fernanda. Cada vez mais perto desse jantar em família. Era o Céu e eu não sabia.

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Cada vez mais longe do dia em que fomos pular o carnaval no Clube Atlético Mirandópolis, também conhecido como CAM, e um de nossos amigos, componente do Bloco Manicômio, o inesquecível Carlão, urinou em pleno salão, sendo por isso proibido de entrar no clube até o fim da folia. Cada vez mais perto da noite em que, mesmo de ressaca, escondi-me na garagem para ler A Morte de Ivan Ilitch, enquanto todos pulavam na piscina, pois era terça-feira gorda, "é só hoje, amanhã não tem mais". Ler Tolstoi era minha forma de rezar.

Cada vez mais longe da tarde em que teríamos festa na República da Rua Humaitá, e eu tomei um demorado banho e vesti minha camisa azul predileta, de mangas compridas, e, quando saí do banheiro, cheiroso e contente, vi que as calouras de Jornalismo já haviam chegado e conversavam na sala, enquanto a vitrola tocava New Order. Cada vez mais perto do mesmo dia, em que me deitei sozinho no colchão do quarto para ler Eliot – e sonhei com o Purgatório.

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Cada vez mais longe dos dias em que fiz campanha para Lula em 1989. Hoje posso admitir que secretamente sentia um medo muito grande de que Lula ganhasse aquela eleição e o país virasse um caos. Distribuía panfletos, usava a estrelinha no peito, cantava "Lula-lá". Porém, alguma coisa dizia para mim que aquilo tudo estava errado. Cada vez mais perto do dia em que Lula viajou para o Leste Europeu para depois criar o Foro de São Paulo.

Conheço um casal de romenos que fugiram do comunismo. Vou chamá-los de Maria e Ivan. Eles me contam que o pai de Ivan, professor universitário, perdeu o emprego por não ser simpático ao regime. Contam ainda que, para conseguir qualquer benefício pessoal ou profissional, era preciso vincular-se ao sistema de corrupção, delação e inveja que controlava o país. Por fim, Maria e Ivan decidiram emigrar. Vieram para o Brasil em 1987. Mesmo devastado pela inflação, o Brasil redemocratizado era preferível à Romênia socialista. "A ditadura militar que vocês tiveram era fichinha perto do que nós vivemos", diz Maria. Hoje estamos cada vez mais longe da ditadura militar e cada vez mais perto da ditadura militante. Mas ainda há esperança – ela sempre está próxima.

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