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Foi numa praia da Galileia que Jesus buscou seus primeiros discípulos. Eram pescadores. Um deles se tornaria o primeiro papa.

Foi numa praia de Cuba que o personagem Iván achou uma tosca cruz de madeira. Embora ateu, levou-a para a casa, passando a chamá-la de “a cruz do naufrágio”. Seu irmão mais novo, perseguido por ser homossexual, desaparecera tempos antes ao tentar fugir da ilha numa embarcação precária.

Foi numa praia da Normandia que 200 mil soldados das tropas aliadas começaram a desembarcar na França ocupada pelos nazistas, em 1944. Nas primeiras horas do Dia D, era quase um milagre sobreviver.

Foi numa praia de Itanhaém que eu perdi meu pai pela primeira vez. Ele adorava o mar. Saiu nadando certa manhã e desapareceu por alguns minutos, deixando-me bastante preocupado. Voltou sorridente. Um dia meu pai me deixou – mas não foi pelo mar.

Agora o menino está em paz, ao lado de quem o ama: a sua mãe da Terra e a sua Mãe do Céu; o seu irmão de sangue e o seu Irmão Salvador

Foi numa praia de Santa Catarina que eu me senti definitivamente pai, ao ver meu filho brincar com as ondas do mar pela primeira vez. Pedro tinha 3 anos quando conheceu o mar – a mesma idade do menino sírio-curdo encontrado morto numa praia da Turquia, na semana passada.

Se levarmos em conta que a palavra “apocalipse” quer dizer “revelação”, concluiremos que a imagem do menino sírio morto na areia, publicada nos jornais do mundo inteiro, é uma cena apocalíptica. O que essa foto nos revela?

A imagem revela a nós mesmos. Ali está a fragilidade da vida humana – mais volátil que um dente-de-leão – e a precariedade de nossa conduta moral e espiritual. Ali está a prova de que somos mendigos diante de Deus. Tudo que temos a fazer é pedir perdão, para que a misericórdia do Filho nos console da justiça do Pai.

O menino sírio foi enterrado com a mãe e o irmão. Agora ele está em paz, ao lado de quem o ama: a sua mãe da Terra e a sua Mãe do Céu; o seu irmão de sangue e o seu Irmão Salvador.

O nome Maria lembra mar. Lembra as águas em que mergulhamos na paz do ventre materno. Por isso, a morte do menino sírio me faz pensar nas crianças que, assim como o pequeno curdo, também encontraram a morte – mas ainda no seio materno. Penso que essas crianças também poderiam ser o meu filho.

De que podem falar os náufragos, a não ser do mar? – pergunta o personagem de um livro. De que podemos falar nós, a não ser dos inocentes mortos? Ao sair de casa, pensando naquele menino e mergulhado na tristeza, eu finalmente compreendi: o pequeno sírio da praia é a tradução perfeita da cruz. A cruz do nosso naufrágio.

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