Triste é o mundo em que uma frase ou mesmo uma palavra fora do lugar podem destruir a vida de uma pessoa. Vivemos nesse mundo. A milícia do pensamento está de plantão para nos apanhar em flagrante delito diante de qualquer termo que ofenda o ideário politicamente correto. Qualquer um pode ser a próxima vítima: eu, você, o seu filho, o seu pai, a sua mãe, o seu vizinho. A não ser que você seja militante de esquerda. Nesse caso, tem salvo-conduto e pode dizer a besteira que quiser, desde que não ofenda Maomé.
Uma passagem bíblica que me emociona sempre é a resposta do centurião romano quando Jesus se oferece para ir até a casa dele: “Eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e meu servo será salvo”. Essa frase encantou Jesus, que declarou não ter visto uma fé tão grande mesmo entre os filhos de Israel. O diabo – nome cujo sentido é “aquele que acusa” ou “aquele que divide” – afirma-nos exatamente o contrário: “Dizei uma palavra e sereis morto”.
Conheço um homem que passou um longo período na prisão – onde foi diariamente violentado – por ter escrito uma frase infeliz. O que me assombra, no caso, não é a reação das pessoas contra uma palavra, mas a impossibilidade de perdão.
Os patrulheiros da linguagem utilizam a política como forma de aniquilação do oponente. Nesse sentido, eles são os verdadeiros adeptos do golpe
No romance A Marca Humana, de Philip Roth, um professor universitário faz uma piada sobre alunos que nunca apareceram nas aulas. Chama-os de “spooks” (fantasmas). Ocorre que os alunos, os quais o professor nunca tinha visto, eram negros. E “spooks”, descobre-se depois, vem a ser uma antiga gíria racista em desuso. O professor tem a sua vida e carreira destruídas. Sem perdão.
Um dos meus hábitos preferidos é percorrer livrarias e bibliotecas em busca de palavras que me salvem a vida. Às vezes eu as encontro, como no dia em que abri o livro de um poeta português chamado Herberto Helder. Li ao acaso as seguintes palavras: “Os ombros estremecem-me com a inesperada onda dos meus vinte e nove anos. Devo despedir-me de ti, amanhã morrerei”. O impacto desses versos marcou profundamente a minha vida de leitor. Herberto Helder morreu nem 24 de março, aos 84 anos. Ele me deu palavras de vida, não de morte.
Aristóteles diz que a política é a arte de promover o bem das pessoas. Mas ele também alerta: quando desvirtuada, a política transforma o homem no pior dos animais. Os patrulheiros da linguagem utilizam a política como forma de aniquilação do oponente. Nesse sentido, eles são os verdadeiros adeptos do golpe. Golpista é aquele que destrói o inimigo por uma única palavra.
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