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Paulo Briguet

Evangelho das flores

E no princípio eram as flores, e sempre foram as flores, e as flores eram de Deus. Do primeiro ao último leito, elas sempre estavam por perto: havia flores no quarto da maternidade, havia flores no quarto do Hospital do Câncer. O nome de minha mãe, Aracy, quer dizer "mão da aurora". A palavra aurora pode definir tanto o nascente quanto o poente; Aracy era a flor do meu dia, continua sendo a flor da minha noite.

Cedo me disseram que as flores eram coisa "de menina", mas eu não dei bola: desde a infância tenho sido um jardineiro mental. De pouquíssimas coisas eu sei – mas sei que há flores por toda parte.

Quando visitei a Casa Pia, 35 anos depois, a igreja estava repleta de flores. Foi no último Dia das Mães. Ali eu fiz a primeira comunhão. Na saída da missa, em 1978, meu pai lembrou uma canção de estudante: "Se a papoula cheirasse, seria a rainha das flores/ Mas, como a papoula não cheira, não é a rainha das flores!".

A república da Humaitá ficava numa pracinha de ipês-amarelos. Certa manhã, depois de uma festa de arromba que durou a noite inteira, abri a janela do meu quarto e vi que as flores amarelas cobriam o chão da praça. Era um recado, e eu me recusava a entender. Mas Deus não desistiu de mim: muitos anos depois eu voltaria a aceitar a verdade das flores.

É sonho ou fato a imagem da menina com vestido de flores, dançando na festa da república? Na cabeceira, talvez houvesse um livro de Jean Genet: Nossa Senhora das Flores. Baudelaire falava das Flores do Mal. Eliot oferecia a rosa multifoliada, flor e fogo a um só tempo. Dentro de um livro antigo, encontrei uma pétala que ainda exalava perfume. Havia também uma flor de ipê-amarelo caída sobre a máquina de escrever.

A flor é um substantivo com alma de verbo. E um verbo que só se conjuga no tempo presente, o tempo que C. S. Lewis diz ser o mais parecido com a eternidade.

Em um dos dias mais tristes de minha vida, uma colega de trabalho, chamada Glória, deu-me uma pequena flor amarela dentro de um copo plástico. A flor é sempre uma boa notícia, um pequeno evangelho, mesmo quando sentimos a dor mais lancinante. Flores levaram meu pai, minha mãe, meus amigos, meus filhos que não nasceram. A morte é uma flor ao avesso. Uma flor sem pétala, sem botão, sem haste. Uma rosa só espinho, mas ainda flor: uma prova de que o inferno não prevalecerá.

E no fim serão elas – videntes do abismo, guardiãs do ocaso, carmelitas do chão, portadoras da última notícia. Então verei a flor em Deus.

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