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Paulo Briguet

Hoje eu vou morrer

Bom dia, meu nome é João. Não tenho costume de fazer isso, mas quando vi você aqui, moço, escrevendo no caderninho, decidi lhe contar um pouco sobre a minha vida.

Estou com 85 anos. Nasci nas colinas de um país distante, do outro lado do mar. Trabalhei no comércio desde menino; não me lembro de um dia da minha vida em que não estivesse negociando alguma coisa. Acabei por acumular alguns bens. Mas não me considero um homem rico, e você logo vai saber por quê.

Conheci minha mulher, Ana Maria, no navio que trouxe nossas famílias. Por mais que me esforce, não consigo me lembrar do dia de nosso casamento. Sei que não houve festa, apenas registramos a união em um cartório do Brás. Certa vez fui a São Paulo e procurei esse cartório, na esperança de reavivar algumas lembranças daquele dia, mas o cartório não existe mais: construíram um estacionamento no lugar.

Hoje tenho a clara impressão de que sempre fomos casados, mesmo antes das colinas, mesmo antes do navio, mesmo antes do cartório: como se existisse alguma coisa a nos unir desde o tempo em que éramos um brilho nos olhos de nossos pais, de nossos avós, de nossos antepassados remotos.

Vivemos juntos por mais de 60 anos. Eu sempre na rua, nas lojas, nos negócios. Ela sempre em casa e na igreja. Enquanto eu ganhava dinheiro e acumulava bens, ela cuidava de mim e ajudava os pobres. Nunca arrumei uma cama. Nunca lavei uma louça. Nunca fritei um ovo. Nunca nem mesmo abri a geladeira da minha própria casa. Ela cuidava de tudo, tudo.

Até que um dia – isso faz cinco anos – ela acordou, serviu-me o café e disse: "João, hoje eu vou morrer. Chame o padre e o pastor". A princípio, não levei a sério o que ela disse. Dei-lhe um beijo no rosto e saí para trabalhar.

Na primeira esquina, encontrei o padre Bernardo. Convidei-o a tomar um café mais tarde em casa. Depois, no fim da tarde, o pastor Jonas passou na calçada da frente do meu escritório: chamei-o para uma visita à noite.

Às sete horas, quando abri a porta de casa, Ana Maria estava sentada na poltrona da sala, no escuro. Acendi a luz, ela ficou em silêncio. Tudo estava limpo e arrumado como sempre. O padre e o pastor chegaram quase ao mesmo tempo. Rezamos um Pai-Nosso e eles leram um salmo de Davi; cada um dizia um verso do salmo. Quando terminaram, Ana Maria fechou os olhos.

Durante esta vida, meu jovem, acumulei vários bens. Sou proprietário de dezenas de imóveis e lojas. Mas eu daria tudo, tudo, neste exato momento, para morrer como ela morreu. Escreva isso no seu caderninho.

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