Os exemplos históricos dos últimos dois séculos e meio demonstram: processos revolucionários começam por movimentos de massa e terminam perseguindo grupos sociais identificados como "inimigos do povo".
Numa primeira fase, o "povo nas ruas" é tomado como a expressão mais pura e autêntica da justiça. Em seguida, grupos políticos organizados lutam pelo controle do movimento. A estratégia de tais grupos, estejam ou não no poder, é a de identificar bodes expiatórios: inimigos comuns contra os quais se possa dirigir toda a fúria acumulada nos protestos.
Na França revolucionária, os "inimigos do povo" eram os nobres, os católicos e todos aqueles que pudessem ser associados ao Antigo Regime. Foi o Terror de Robespierre. Ele mesmo terminou guilhotinado. Na Alemanha nazista, os principais bodes expiatórios eram os judeus, apontados como responsáveis pela crise econômica do país. Ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, deficientes mentais e comunistas também foram perseguidos.
Na Rússia soviética, havia uma série de grupos identificados como inimigos do povo. Em 1922, Lenin encheu um navio com os maiores nomes da intelectualidade russa e expulsou-os do país. Mas havia dois grupos odiados com especial ressentimento: os kulaks e os cossacos. Kulaks eram os proprietários de terra. Cossacos eram um grupo étnico fortemente militarizado. Duas palavras horríveis surgiram na perseguição a esses grupos: descossaquização e de deskulaquização. Em suma, ambas queriam dizer genocídio.
Na China maoísta, o governo incitava jovens a denunciarem os próprios pais pelo "crime" de possuírem um pequeno comércio. Esses delírios da Revolução Chinesa como o tenebroso Grande Salto para a Frente terminaram por fazer de Mao Tsé-tung o pior criminoso do século 20, responsável direto por 70 milhões de mortes. No Camboja dominado pelo Khmer Vermelho, em 1975, bastava a um cidadão saber ler e escrever para que fosse considerado inimigo do povo. Houve 1 milhão de mortos em menos de um ano.
Hoje as revoluções se tornaram diferentes. Não há mais fuzilamentos ou decapitações ("apenas" os 50 mil homicídios anuais). O golpe começa na mente das pessoas, com uma poderosa e contínua doutrinação ideológica. As massas são adestradas para fazer o que o grupo dominante quer, mesmo quando imaginam estar lutando contra ele. Mas uma coisa não mudou: os comissários da esquerda continuam escolhendo inimigos do povo para desviar o foco dos verdadeiros problemas. Médicos, empresários, produtores rurais, jornalistas, advogados, humoristas... O próximo inimigo do povo pode ser você.