Pedro tem uma naninha. Trata-se de um pequeno cobertor verde que ele leva a todos os lugares. Os coleguinhas de escola já não mais carregam as respectivas naninhas, mas Pedro não quer abandonar a sua. Tanto é que temos alguma dificuldade para lavá-la. Precisamos esperar que ele durma, colocar a naninha na máquina e torcer para fazer sol na manhã seguinte. Enquanto a naninha verde do Pedro está secando no varal, tentamos convencê-lo a aceitar um cobertorzinho suplente, praticamente igual, de cor azul. Não é fácil. Ele quer a naninha legítima. A verde. A descosturada na ponta.
Devo confessar a vocês, meus sete leitores: eu também gosto da naninha do Pedro. Foi um presente de minha mãe ao netinho, quando ele ainda não havia completado 1 ano. Pedro e a naninha tiveram um amor à primeira vista; no minuto em que Aracy lhe mostrou o pequeno cobertor, ele se uniu de maneira praticamente umbilical àquele pedaço de pano.
A naninha, para o Pedro, é uma forma de comunicação. Se ele vê alguém chorando, seca as lágrimas da pessoa com a naninha. Se alguém sofre uma queda ou se machuca, ele passa a naninha no local atingido. Pegar a naninha é um gesto que tem vários sentidos, podendo significar que Pedro está com fome, sono, frio, medo, vergonha. Vira até capa de super-herói.
Pedro sabe que a naninha foi um presente da vovó Aracy. E é por isso que eu gosto tanto daquele pequeno cobertor verde. De certa forma, aquele pedaço de pano traz minha mãe de volta para mim. Quando volto do trabalho à noite e abraço meu filho, sinto que estou abraçando minha mãe também.
Todos conhecem o episódio em que Jesus coloca uma criança no meio dos discípulos e diz: "Se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos Céus". Na quarta-feira passada, essa passagem do Evangelho foi lida na missa. Então eu fiquei pensando na multidão de crianças que não puderam ter a sua naninha pelo simples fato de que foram impedidas de nascer quando estavam no ventre de suas mães. Como um ser humano racional e dotado de coração pode condescender com uma violência tão horrível matar aquele que luta para nascer?
Quando cheguei em casa, procurei na internet uma escultura do artista eslovaco Martin Hudacek, que pode ser vista no Memorial das Crianças Não Nascidas. É a imagem de uma garotinha consolando a mãe que não a deixou nascer. Não há nenhum nome pseudocientífico prolifaxia, interrupção da gravidez, direitos reprodutivos que justifique essa dor. A dor das crianças que não nasceram e não tiveram naninha. Verde. Descosturada na ponta. A mão de nossa mãe.
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