Em suas memórias do campo de concentração, Viktor Frankl narra uma cena antológica. No primeiro dia em Auschwitz, o psiquiatra foi encaminhado com outros prisioneiros para uma fila de triagem. Ao final dessa fila, havia um oficial nazista, que com um pequeno movimento da mão ordenava ao prisioneiro que se dirigisse à porta da esquerda ou à porta da direita. Quando chegou a vez de Frankl, o nazista hesitou por um instante; fez um gesto à esquerda, mas depois pareceu mudar de ideia e ordenou que Frankl fosse para a direita. Essa decisão aparentemente fortuita salvou a vida do prisioneiro. Se fosse para a esquerda, Viktor Frankl morreria nas câmaras de gás.

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O que me revolta não é prender um assassino jovem, mas amordaçar um estudante jovem e deixar-lhe sem a mãe

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No livro É isto um homem?, o escritor Primo Levi, também sobrevivente de Auschwitz, define o campo de extermínio como o lugar onde se morre por um sim ou por um não. E é exatamente pelo mesmo motivo – um sim, um não – que os bandidos matam 60 mil pessoas por ano no Brasil. É um índice superior ao de países em guerra civil. Sim, eu conheço a Lei de Godwin, segundo a qual não se deve mencionar o nazismo em discussões públicas. Mas desta vez não pude deixar de recordar Levi e Frankl, dois de meus escritores mais amados.

Na noite de 10 de junho, a professora Mirella Guandalini, moradora de Ibiporã, foi buscar seu filho no cursinho em Londrina. O rapaz de 17 anos sonha em ser médico. Quando Mirella parou o carro no semáforo da saída para Ibiporã, foi rendida por assaltantes. Eles amarraram e amordaçaram o rapaz, trancando-o no porta-malas do carro. Em seguida, ordenaram a Mirella que continuasse dirigindo, sob a mira de um revólver. Abaladíssima, Mirella começou a passar mal. Sem condições para dirigir, parou o carro no acostamento. Os bandidos ficaram irritados e a mataram com um tiro na cabeça. Fugiram sem levar nada.

Imagino o desespero de Mirella ao ver o filho amordaçado e preso por bandidos. Pois é nesse rapaz que eu penso agora. Alguns formadores de opinião estão muito revoltados com a proposta reduzir a maioridade penal para 16 anos no Brasil. O que me revolta não é prender um assassino jovem, mas amordaçar um estudante jovem e deixar-lhe sem a mãe. Enquanto prevalecer a ideia de que devemos aceitar calados – ou até mesmo amordaçados – os crimes mais terríveis, continuaremos tão desamparados quanto um prisioneiro diante do seu algoz. Desculpe-me, sr. Godwin, mas Frankl e Levi têm a preferência.