As cartas da irmã Mariavirgo Moser (1910-2000), recentemente divulgadas pelo Colégio Mãe de Deus de Londrina, fizeram-me pensar em outras duas correspondências. A famosa Carta ao Pai, de Kafka, acabou nunca sendo enviada ao destinatário, mas virou um clássico da literatura. A Epístola a Diogneto, do século 2º, é considerada hoje um dos mais belos documentos do Cristianismo primitivo.
Por que os nazistas censuraram as cartas de Mariavirgo para a família na Alemanha? Provavelmente nunca saberemos. A data da primeira carta 15 de outubro de 1939 marca um período nefasto da humanidade no século 20. Dois meses antes, a União Soviética e a Alemanha haviam assinado o pacto Ribbentrop-Molotov, unindo assim as duas grandes ditaduras de nosso tempo: nazismo e comunismo. Em 1.º de setembro daquele fatídico ano, Hitler invadira a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial. O poeta inglês W. H. Auden escreveu um poema sobre esse dia: "Hoje me sento num bar / Da rua 52 / Apavorado e sem rumo..."
Mariavirgo acabou recebendo as cartas de volta exatamente 50 anos depois, em 1989, quando caiu o Muro de Berlim. É interessante que esses documentos venham à luz agora, nos 80 anos de Londrina. A história insiste em falar mais alto pela voz suave da irmã católica, mostrando-nos uma Londrina que nasceu empreendedora e religiosa.
Insisto na pergunta: por que os nazistas censuraram as cartas de Mariavirgo? Certamente não soava bem para um censor ariano essa conversa sobre uma cidade que recebia todas as raças e culturas, "de braços abertos". A descrição de uma cobra venenosa achada na floresta o teria feito pensar nos ditadores Hitler e Stalin? Não sabemos. Mas o olhar para o céu deve ter sido considerado uma ofensa ao governo que pretendia instalar um império na terra: "À noite aqui o céu é mais límpido, as estrelas são tão grandes e se vê o Cruzeiro do Sul. Parece que o bom Deus está mais perto da gente do que em outro lugar". Deus no Brasil? Isso já era demais para um nacional-socialista.
A irmã Mariavirgo viveu até os 89 anos de idade, trabalhando como professora do jardim de infância. Na carta de 1939, a irmã diz aos parentes que ainda não conseguira fluência no português, mas era capaz de se comunicar com as crianças pequenas através da linguagem universal. Isso nos leva à conclusão de que a verdadeira pátria não era a Alemanha nem o Brasil; era o Céu.
Sem querer, o censor acabou nos dando um presente. Obrigado, irmã Mariavirgo. Essa carta foi escrita para nós.
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