Pena é uma das minhas palavras preferidas, senhora de múltiplos significados. Há a pena que simboliza o ofício do escritor; a pena como punição; a pena de sofrimento; a pena dó e compaixão; a pena sinônimo de lástima ou desgosto; a leveza do peso-pena; a pena clemência; a pena esforço; o travesseiro de penas; a penalidade máxima; o êxito obtido a duras penas. Nunca se dirá pena com um sentido apenas.

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Mas a pena que entrou pela janela, enquanto eu fazia minhas orações matinais, era só uma pena de pássaro. Veio voando com o vento. Professor Google me disse que a palavra pena tem origem no latim poena, que significa punição, castigo. O termo latino deriva do grego poine, que por sua vez viria do sânscrito punya, com sentido de puro, limpo. Daí a relação que se faz entre a pena e a purgação dos erros, crimes, pecados. A minha pena ficou ali no chão da sala, enquanto eu rezava.

Camões gostava de usar a palavra pena. "Que a pena que com causa se padece, / a causa tira o sentimento dela; / mas muito dói a que se não merece", diz uma de suas elegias. Na língua portuguesa, ninguém usou a pena com a genialidade de Camões, talvez com a exceção de Fernando Pessoa, Herberto Helder e Bruno Tolentino em alguns momentos. Mas ele não apenas falou com a pena; ele também a sofreu. Pena do amor. Pena do exílio. Pena do naufrágio. Pena da miséria. Vida plena de penas.

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Noites atrás, eu estava voltando para casa quando vi um homem deitado na esquina da Rua La Paz. Compadeci-me do homem e lhe dei uma nota de R$ 20. Ele aceitou o dinheiro, mas disse: "Eu tenho fome, preciso de comida, faz três dias que não como nada". Subi correndo até meu apartamento, abri a geladeira e esquentei um prato de comida para o homem. Levei também talheres, guardanapos e um pouco de água.

Perguntei-lhe o nome. "Luís." Quando apertei sua mão, ele disse: "Eu hoje estou assim sujo, mas aos poucos vou me limpando". Punyo. A pena no sentido de purgação, purificação, limpeza. O xará de Camões me olhou com os olhos do fundo do abismo e me fez lembrar a oração da Salve Rainha: "A vós bradamos os degredados filhos de Eva / A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas".

Na manhã seguinte, quando vi a pena do pássaro aos meus pés e o sol havia acabado de nascer, espiei pela janela da sala e notei que o homem ainda estava lá, na esquina da Rua La Paz. O jornal anunciou aumento do número de miseráveis no Brasil – e Deus anda encontrando maneiras diferentes de falar comigo.

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