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Sem compaixão não somos nada. O poeta T. S. Eliot percebeu isso claramente em 1926, quando caiu de joelhos diante da Pietá de Michelangelo, em Roma. Comover-se com a dor do outro é uma qualidade definidora da condição humana. Se não sentimos compaixão, somos menos que animais: tornamo-nos bem próximos das coisas.

Nos últimos dias, pensei muito naquela mulher que foi espancada até a morte no Guarujá. Seu nome era Fabiane Maria de Jesus. Tinha 33 anos. Sempre digo que os nomes não existem por acaso; Fabiane trazia em sua identidade a Pietá que comoveu Eliot e marcou a conversão do autor ao cristianismo. O grande poeta do século 20 foi arrebatado pela visão de Maria com Jesus morto nos braços, crucificado aos 33 anos – e inocente.

Penso na mulher linchada; vejo-a com o rosto de minha mãe na cama do hospital. Eu nada seria se não soubesse transformar a minha dor na dor de Fabiane e sua família. Ela era uma dona de casa, tinha 33 anos e morreu por causa de um boato de Facebook. Se o caso em si já é hediondo, os militantes do caos conseguiram piorá-lo: na mesma rede social, culparam uma mulher inocente pela morte de outra mulher inocente. Abismo atrai abismo.

Maio é o mês de Maria. Tive três professoras Marias na infância: Maria Lúcia, Maria Amélia e Maria da Glória. As três Marias são culpadas por me ensinarem a ler e escrever. Deus queira que eu nunca utilize minhas palavras para levar alguém à morte ou culpar alguém pelas palavras que não disse e pelos crimes que não cometeu.

Minha mãe era professora de História. Recentemente li o romance Elza, a Garota, que fala sobre Elza Fernandes, militante comunista de 16 anos, assassinada a mando de Luís Carlos Prestes em 1936. Olho para a única foto de Elza na capa do livro... e vejo o rosto de minha mãe.

Vejo a face de minha mãe na fotografia da dentista queimada viva por assaltantes há um ano (como estarão seus pais hoje?). O rosto de Aracy em seus últimos dias volta a aparecer quando penso em Daniela, grávida de nove meses, morta com um tiro na cabeça. Vejo minha mãe doente na mãe do estudante assassinado no portão de casa. Vejo minha mãe sofrendo nas mães dos policiais militares executados por bandidos. Vejo minha mãe chorando nas mães das 50 mil vítimas de homicídios por ano no Brasil.

"O sentido do ser humano é ser filho", escreveu o padre José Kentenich em 1937. Quando Eliot ajoelhou-se diante da Pietá, descobriu exatamente isso. Nós somos filhos de toda a dor que existe no mundo. Não é por acaso que nos ajoelhamos: só assim ficamos do tamanho de uma criança.

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