Uma das frases preferidas da esquerda latino-americana é atribuída a Che Guevara e repetida nas mais diversas situações e circunstâncias: "hay que endurecer sin perder la ternura". Não creio que Guevara, ao falar em endurecer com ternura, estivesse se referindo a espetáculos de truculência como esse patrocinado por um pequeno grupo de "estudantes", arrombando portas e tentando entrar à força no local onde se reunia o Conselho Universitário da UFPR para fazer valer suas opiniões (sic) nesse imbróglio em que se transformou a consulta eleitoral para a Reitoria da nossa querida Casa. (Digo nossa e querida porque não acredito que o fato de ter me aposentado me retire o privilégio de manter a UFPR no meu patrimônio afetivo.)
A rigor, a posição que cada um dos membros da comunidade universitária adote em relação ao processo eleitoral atual não vem ao caso. Há vozes respeitáveis que apoiaram o projeto de reeleição do atual reitor, convencidas de que ele realizou um trabalho de qualidade, introduziu inovações importantes em uma instituição profundamente esclerosada e procurou preservar e valorizar a UFPR. Outras vozes respeitáveis pensavam de maneira diametralmente oposta, seja por terem convicções doutrinárias contra a reeleição ou por não reconhecerem na gestão que ora se encerra os méritos que enunciei linhas acima. Qualquer que seja a posição em que os membros da comunidade universitária se coloquem, há porém um ponto que não comporta discussão nem argumento: a Universidade não merece ser engolfada por interesses partidários ou políticos exacerbados nesse episódio deprimente, em que um grupelho tenta compensar a sua insignificância no cenário político-partidário brasileiro jogando pedras e tentando forçar a entrada a qualquer custo para depredar um patrimônio público. Afinal, os prédios da UFPR são mantidos pelos impostos e pelo sacrifício de milhões de pessoas que talvez não tenham tido sequer a oportunidade de uma educação primária de mínima qualidade, muito menos o privilégio raro do ensino gratuito de terceiro grau de que desfrutam esses que a agridem.
O processo democrático interno, em que a Universidade investiu tanto esforço ao longo dos últimos anos, nada ganha com isso, pois a prática política minimamente civilizada prevê a existência de regras e de respeito e acatamento às decisões das instâncias legalmente constituídas. Se é o Conselho Universitário que deve se reunir para decidir a respeito de um assunto que lhe foi entregue estatutária ou regulatoriamente, não pode fazê-lo acuado por turbas de manifestantes agressivos, incapazes de respeitar os limites mais elementares de civilidade. O ambiente universitário, pela sua própria definição, deve comportar a universalidade, o contraditório pacífico e mutuamente respeitoso, o entrechoque de idéias, a convivência dos contrários. Senão, que distinguiria uma instituição educacional de um jardim zoológico em que os animais mais fortes intimidam os mais fracos batendo no peito e dando urros?
Reflexões de uma pessoa que passou dos 60 anos e que portanto não seria mais capaz de compreender o arroubo e a falta de limites dos jovens? Talvez, embora não acredite que muitos do que estavam participando da baderna na Reitoria na terça-feira ainda se possam considerar jovens. Se minha memória não me trai, o estudante de economia que comandou a baderna e alguns de seus companheiros "de luta" já são antigos no metier e quem sabe poderão no futuro se habilitar para a prebenda muito em voga na esquerda brasileira: uma pensão vitalícia como perseguido político (sic), seguindo a trilha de milhares de outros "combatentes". Segundo porque acredito, como George Santayana, que um velho que não ri é um tolo, mas o jovem que não chora é um selvagem.
Esta não foi a primeira nem será a última vez em que o prédio da universidade sofre algum tipo de depredação e invasão do gabinete do reitor ou a sala do Conselho Universitário. Talvez a maioria dos leitores se lembre que, quando se discutiu a implantação do Provar, alguns mais afoitos subiram nas mesas dos conselheiros aos berros para protestar. Ou se lembrarão dos "estudantes" refestelados no gabinete do reitor quando este, corretamente, tentou reduzir alguns dos privilégios experimentados pelos freqüentadores do Restaurante Universitário, que insistiam em pagar menos por suas refeições do que os mendigos de Curitiba, usuários do restaurante popular do então prefeito Rafael Greca de Macedo. Estimulados pela leniência com que episódios como esses foram tratados pelas autoridades universitárias em nome da boa vontade e do desarmamento dos espíritos , os "estudantes" sentiram-se prontos para novos atos de truculência, de "violência revolucionária" e assim sendo introduziram uma sutil e decisiva troca de preposição: para eles, parece que a Universidade não deve ser a casa da tolerância, em que o convívio é pautado pela civilidade recíproca e sim uma casa de tolerância em que todos os apetites são satisfeitos. Em relação a esse tipo de gente, há que endurecer. Com ou sem ternura.
PS: Coloquei "estudantes" entre aspas para poupar do vexame da inclusão os milhares de alunos com que convivi nos meus 33 anos de magistério superior.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Mestrado em Organizações da UniFAE e membro da Academia Paranaense de Letras.
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