Dias atrás, um médico, ex-residente do Hospital da Cruz Vermelha nos anos de 68 e 69, visitou-me para contar de sua carreira profissional, destacada com um hospital próprio em Palotina onde, com a esposa, enfermeira diplomada, trabalharam e prosperaram durante 35 anos.
Cansados da dura lida, venderam o patrimônio duramente amealhado e retornaram a Curitiba ávidos de "aproveitar a vida", justo prêmio para o coroamento de uma existência de labores e sacrifícios.
Passados alguns meses e sentindo que nada de maior acontecera, resolveram voltar ao lar paterno a fim de um achego capaz de lhes devolver as atribulações de outrora.
Dessa história, surgiu no meu espírito a indagação do que é, efetivamente, "aproveitar a vida." Ao exemplo desse enredo sinto a prova de que o almejado aproveitamento não está na inércia, no ócio, na moleza. Adib Jatene, o famoso cardiologista, ao ser perguntado porque não tirava férias, respondeu: "É que eu gosto mais do meu trabalho". Com certeza, um tema de múltiplas indagações, sucessivas controvérsias e um cenário de polêmicas incontroláveis.
Aproveitar a vida é fazer o que se gosta, no trabalho e no lazer, sem tempo para cismas e fantasias. O último inciso é para eliminar lembranças e projetos que possam gerar insatisfações. A mente tem seus venenos de apegos, iras e mistérios capazes de criar maus momentos e sonhos negativos. É na meditação que nos espreita a inveja, a suprema vilã da alma. O invejoso é um frustrado permanente e, neste caso, sem condições de uma paz emocional Tampouco vamos navegar em sonhos nem desgastar neurônios na Mega-Sena que não ganhamos. Há dois dias em que não podemos mexer, o de ontem, que já passou, e o de amanhã, que quando acordamos já é hoje.
A religião baseada na fé é um auxílio importante. A pessoa que verdadeiramente crê em Deus não cria maus agouros e suporta as adversidades com mais confiança na reabilitação de um futuro que não tardará. São criaturas fadadas a estenderem a mão aos que precisam e, nesse gesto de solidariedade se tornam felizes.
Um "hobby" é necessário. Os apaixonados por carros antigos a discutirem motores, carburadores e bielas; os colecionadores de selos, canetas, chapéus, moedas, cinzeiros encontram uma âncora nos mares da vida. Os amantes da leitura comentando crônicas, ficções, romances e biografias; os esportistas, tênis, golfe, natação, alpinismo, judô, artes marciais, envaidecidos de seus feitos e troféus; os aquáticos de barcos, iates, veleiros, canoas; os catadores de antiguidades, móveis, quadros, estatuetas, jarros, relógios, reduto onde se encontram as galochas e com elas seus chatos.
Os pescadores dos rios, oceanos, pantanais lagos e lagoas contando de peixes exagerados no peso e no anzol, os caçadores em suas expedições onde são imprescindíveis os engradados de cerveja, o bom vinho, as garrafas de cachaça, a munição preparada de véspera, sem importarem-se com as espingardas, por vezes esquecidas. Todos eles e outros tantos, com suas predileções, encontram ensejos de aproveitar a vida.
A saúde é o supremo bem e sem ela pouco somos. Deve, pois, merecer cuidados especiais a partir dos 50 anos. Com o progresso da medicina e o aumento da longevidade, as atividades físicas passaram a ser mais cuidadas no sentido de melhorar a capacidade cardiovascular e manutenção do potencial físico. Exercícios moderados compatíveis com a faixa etária, encontram-se na hidroterapia que, além de reduzir o peso corporal, mantém a recuperação rápida do esforço despendido, e por tanto deve ser inserida como rotina entre os membros da terceira idade. "A ginástica desenvolve a auto-estima, propicia maior interação social e gera prazer pela vida." A atividade mental, com livros, revistas e reuniões estimula a mente e previne o mal de Alzheimer.
É banal aferir-se a felicidade pelo número de viagens ao redor do mundo ampliando saberes e desvendando culturas. Uma alegria que outrora desfrutei. Mas tudo tem seu tempo certo. Hoje passo a conjeturar o fastio dos aeroportos, os atrasos, as filas, os embarques e desembarques as alfândegas, os documentos, a abertura das malas, a troca das moedas, calvário que cumprimos com a paciência bovina de um nelore rumo ao matadouro. Além disso, as noites insones, a alimentação insossa e a bagunça do despertar com a açodada procura aos banheiros, dá mesmo para dizer que tudo tem seu tempo.
O cidadão pode corroer-se pela política ou a ganância mórbida pelo dinheiro. Tenho experiências. A primeira obrigada pela prática quando vivi no interior. A segunda pela indecente e pérfida armadilha que me armou um colega, médico da década de 50. Menino talentoso, credor da minha estima e admiração veio a fazer do vil metal a divindade de sua adoração perene. Com isso, jogou fora as virtudes e a vida, perdidas num amontoado de tramóias, vilezas, dolos, roubos e desonras, trambiqueiro vulgar sem amigos, sem alma e sem coração.
De acordo com seus respectivos temperamentos, cada um é um, diferente no físico, no social e no moral. Mas somos gente que gosta de gente, e é no convívio com os demais que encontramos os fastígios em que a jornada se faz mais bela e dadivosa.
Segundo os preceitos de Cristo, vamos, pois, amarmos uns aos outros. Com sinceridade, lealdade, humanidade, aproveitando a vida que nos deram e agradecemos.
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