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Enquanto debatemos suspeitas de atentado contra a plataforma de lançamento de foguetes em Alcântara, imaginando teorias da conspiração que ora apontam americanos, ora franceses como interessados no atraso do programa espacial brasileiro, a Índia lançou nave a Marte. Da nossa base sairia foguetinho até a estratosfera. Mesmo que não houvesse a tragédia, na qual morreram engenheiros de elite, o projeto era tímido, quase rojão de ano-novo comparado à ousadia indiana.

Os hindustões são superlativos: população, diversidade cultural, religiosa, extremos de riqueza e pobreza, antiguidade de civilização, berço do registro numeral universal, poemas e livros sobre relações amorosas tão remotos quanto a memória alcança, ponto de trânsito entre Oriente e Ocidente. Apesar de todo esse currículo, submeteram-se à colonização portuguesa, espanhola, holandesa, inglesa e se libertaram em luta mítica de independência, sem violência, conduzida por Gandhi. Livres, entraram em guerra étnica, causando o maior êxodo da história, separando indianos que migraram para formar o Paquistão, república islâmica, e, na direção oposta, hindus que fugiram do novo Estado teocrático.

A economia indiana era estatizada e nanica até as reformas liberalizantes dos anos 90 e, súbito, como quem quer ganhar um milhão, a Índia entrou no mapa-múndi como celeiro de matemáticos, engenheiros, empresários, mentes brilhantes representadas pelo personagem Rajesh Koothrappali, astrofísico do quarteto protagonista de seriado humorístico na tevê. Quando a opção política inibia os benefícios do mérito individual, o país inteiro ficava nivelado pela miséria e as únicas notícias da Índia eram sobre os acidentes de trem que matavam centenas a cada mês, e banhos religiosos no Rio Ganges.

A indigência pungente de 200 milhões de pessoas (população do Brasil) contrasta com as elites intelectuais e econômicas, formadas em universidades que começam a se tornar referência científica e tecnológica, compostas por uns 100 milhões. Na faixa intermediária, quase 1 bilhão de pessoas assiste aos melodramas "bolywoodianos", da indústria cinematográfica mais poderosa fora dos Estados Unidos, sonhando com empregos de tecnologia da informação e serviços de call center que atendem o planeta.

Sempre surge alguém para dizer que o dinheiro deve ser gasto para dar comida e casa aos pobres. Gastar para dominar o ciclo da tecnologia espacial é, para quem pensa assim, atitude de quem não se compadece com a miséria alheia e a crítica vem em ladainha que mistura misericórdia cristã com luta de classes.

Esmola mantém a pobreza e, sem gerar riqueza, todos se tornam pobres. A Índia optou por investir para se posicionar na vanguarda tecnológica. As ondas positivas na economia, universidades e indústria indianas já acontecem com o esforço para o lançamento e se acentuarão com a continuidade do programa espacial.

O estigma de atraso pesa nas emoções. A sensação de colônia, periferia, deprime a nação. A América bolivariana fica botando a culpa nos outros pela própria mediocridade; a Índia resolveu ir ao infinito, ­­tornar-se referência para a ­­engenhosidade humana.

Namastê.

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