O presidente Lula anda tão atormentado com a urucubaca que grudou no governo como praga de feiticeiro, que não sabe até onde será empurrado pela tática do despistamento, fingindo que não enxerga o que passa diante dos seus olhos.

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Por alguns momentos passa a impressão de que realmente acredita no que afirma no alinhavo contraditório dos improvisos de candidato em fase azarada de campanha. Convenhamos, não é para menos: o governo vinha mal, capengando na paralisia administrativa, na acefalia do absoluto desinteresse do presidente pelo desempenho medíocre da equipe que juntou e que não se entende, saltou dos trilhos com o estouro do escândalo da corrupção, as investigações das CPIs dos Correios, do Bingo e do Mensalão que implodiram o Partido dos Trabalhadores, rachado ao meio na briga de foice pela sigla despedaçada e salpicaram lama no Palácio do Planalto, até o gabinete presidencial.

O caiporismo poupou a família nos dois anos de mandato, quando a primeira fisgada arrancou gotas de sangue com a denúncia da esperteza de Fábio, o filho abençoado pela generosidade à custa da Viúva com o financiamento de R$ 5 milhões à empresa de que é sócio e opera no ramo da montagem de jogos eletrônicos. Resmungos da oposição, o clássico desmentido oficial que Lula de nada sabia e a declaração do próprio, sumária e ligeira como gato em telhado de zinco no pico do verão, safando o filhote taludo, com o atestado da sua inocência. Agora, as coisas ficaram mais complicadas com o repique doméstico da proeza do mano Vavá, apelido de Genival Inácio da Silva, acusado de ter aberto um escritório em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, com a explícita finalidade de intermediar acertos entre empresas privadas e órgãos públicos federais. Entrando em campo com a desenvoltura de quem sabe o peso do sobrenome, estreou marcando gol de placa, conseguindo uma audiência no Palácio do Planalto. A denúncia da revista Veja derramou água no chope, alvoroçou a oposição, impôs o desmentido palaciano e promete render muitas dores de cabeça ao presidente candidato. Seis anos mais velho que Lula, Vavá é o seu irmão mais próximo. A história da família é contada por todos os sobreviventes em depoimentos pessoais de horas de gravação, reunidos nas quinhentas e tantas páginas de Lula, o filho do Brasil, da competente e confiável escritora Denise Paraná, lançamento da Gráfica e Editora Perseu Abramo. No final do longo e emocionado testemunho de Vavá, o sensato, oportuno e surpreendente conselho, no tom de prédica ungida pela premonição, que ocupa 13 linhas da pág. 233 e que transcrevo na íntegra: "Espero que se o Lula ganhar para presidente da República ele ajude o povo em geral. E não tem esse negócio de ajudar parente, não. Ele vai cuidar do povo. O resto, os parentes, cada um tem que viver por si. Do Lula eu só quero só amizade e o carinho que ele tem pela gente. Eu quero que o Lula faça bem é para o Brasil todo. Não é para mim, para minhas irmãs, para os meus irmãos, para a turma, não. Se ele ganhar e fizer um bom governo já está bom demais, não precisa ajudar ninguém da família. Ninguém admite o cara ser do agreste, do sertão do Norte. Sair do sertão do Norte do jeito que nós saímos e chegar à posição que o Lula chegou hoje... Eles têm inveja, é tudo inveja. Porque dinheiro não compra nada, não compra dignidade, não compra moral, não compra honestidade, não compra nada de ninguém. Tem muita ignorância nessa gente que não admite que um peão, um operário, tenha chegado aonde chegou. E no Congresso tem pouca gente que pensa no povo." O que levou o amadurecido Vavá – na maturidade dos 66 anos de vida em que conheceu a miséria extrema da infância no Nordeste castigado pela seca, a fuga para São Paulo na viagem de 13 dias no "pau-de-arara", o desafio do recomeço em Santos e depois na capital, até a estabilidade na ascensão à classe média – a renegar os princípios morais dos seus irretocáveis conselhos ao irmão que chegou mais alto do que o sonho da família?

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A mais simplista das explicações aponta para o desencanto, a frustração que pouco a pouco corroeu anos de esperança. E que se rendeu, embarafustando para o descaminho do descarado tráfico de influência. Com família não se brinca. Há tempo, pouquíssimo tempo para a arrumação da casa. Na agenda de Lula, entre viagens internacionais e giros de campanha, a aflitiva urgência aconselha uma reunião dos Silva no fim de semana, na privacidade da Granja do Torto, para a revisão dos erros e a flagelação dos pecados.

Na abertura da penitência, a leitura das 13 linhas da oração do Vavá, Pelo próprio, de joelhos e com lágrimas escorrendo pelas rugas do rosto.

Pois se a moda pega na família, o ano não acaba sem mais uma CPI.