CPI é a sigla de Comissão Parlamentar de Inquérito órgão do Congresso Nacional que desde a Constituição de 1934 (art. 36) investiga fatos considerados lesivos a relevantes interesses públicos, para que sejam adotadas as providências cabíveis. A vigente Constituição permite a criação de CPIs na Câmara dos Deputados e no Senado Federal "com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (...) para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores (art. 58, § 3.º). Ainda dispõem sobre essas Comissões as Leis federais n.º 1.579, de 18-3-1952 e n.º 10.001, de 4-9-2000. Atualmente, atuam as chamadas CPIs do Bingo, dos Correios e do Mensalão, com amplíssima cobertura da imprensa nacional, que, pelos jornais e pelas emissoras de rádio e televisão, divulga os fatos, numerosos, graves, deveras surpreendentes, envolvendo partidários e agentes graduados do governo federal, abalando ainda mais a confiança do povo nos políticos.
Inicialmente limito meus comentários à CPI dos Correios, que investiga irregularidades atribuídas a uma das mais respeitáveis instituições brasileiras, sucessora do Departamento Nacional dos Correios e Telégrafos, que continua merecendo apoio e louvor pelo modelar serviço postal brasileiro, assim prestado graças à competência e seriedade dos seus funcionários. O que tem me surpreendido é o comportamento de alguns parlamentares que, aparentando civismo, discursam mostrando arrogância e agressividade, ante os convocados para a prestação de depoimentos à Comissão. Uma deputada, de formação jurídica, amedrontava indiciado repetidamente, perguntando a ele se conhecia nossas prisões geralmente péssimas, degradantes. Outros inquisidores queriam que a mulher e sócia do acusado Marcos Valério de Souza, como testemunha, revelasse detalhes dos empreendimentos do marido, que ela afirmava desconhecer. Um deles perguntou se, na intimidade noturna, no leito do casal, a depoente não obtivera informações sobre tais negócios. Assim procedia estando a testemunha visivelmente exausta e deprimida, após mais de seis horas de interrogatório e com o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral, solicitando moderação dos seus colegas, invocando "questão de humanidade"! Outra testemunha, diretora-financeira da empresa daquele indiciado, foi inquirida sobre reuniões alegres que seriam organizadas por certa "cafetina".
Tais modos grosseiros e humilhantes de tratar seres humanos são manifestamente incompatíveis com as atividades de investigação exercidas pelas CPIs, cujos poderes, convém repetir, devem ser "os próprios das autoridades judiciárias". Ora, segundo os Códigos de Processo Civil (art. 406) e Penal (art. 206), em síntese, cabe ao juiz, que preside a audiência, interrogar as partes, os acusados e as testemunhas, rejeitando as perguntas, mesmo formuladas pelos advogados dos interessados, que considere impertinentes. O silêncio do acusado "não importará em confissão nem será interpretado em prejuízo da defesa". A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos "que lhe acarretem dano, bem como a seu cônjuge" e aos parentes mais próximos, mesmo em processo criminal.
Os atos praticados pelos membros das CPIs estão sujeitos ao controle judicial de legalidade, havendo claras e reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal reprovando "injustas lesões ao regime tutelar das liberdades públicas" e negando a ditas Comissões a possibilidade de praticarem atos "que impliquem efetivo constrangimento atingindo a liberdade e a privacidade de pessoas de direito privado (...) e a invasão da vida privada" (v. Constituição da República Federativa do Brasil, Anotada, de Luís Roberto Barroso, Ed. Saraiva, 4.a. ed., 2003, p. 58 e ss.). Os fatos apurados pelas CPIs poderão fundamentar: a perda de mandatos parlamentares, decidida pelos Conselhos de Ética do Poder Legislativo; iniciativas do Ministério Publico ante o Poder Judiciário, incluindo a propositura de ações penais e civis públicas, tendo por fim a punição de criminosos e a proteção do patrimônio e de outros interesses públicos; ações judiciais de pessoas naturais e jurídicas reclamando indenização de danos patrimoniais e morais.
A exibição de verdadeiros ou falsos pudores éticos de membros de CPIs nos faz lembrar, inevitavelmente, do não menos intenso, amplo e persistente noticiário a respeito das elevadíssimas vantagens financeiras percebidas mensalmente pelos deputados federais e senadores, beirando os 70 mil reais verdadeiros mensalões mais o gozo de longas férias e constantes recessos extras... Sem dúvida escandalosas benesses, expostas faz poucos meses, ainda pagas sem restrições, a desgastar a autoridade moral dos nossos legisladores, incluindo os que agora ofendem os cidadãos obrigados a prestar depoimento nas Comissões. Ademais, as acusações alcançam parlamentares e consta que um deles já renunciou ao seu mandato para evitar a cassação, saindo aposentado pela Casa com mais de cinco mil reais de proventos mensais pelos seus 14 anos no Poder Legislativo. Esperando pretensa impunidade e reiterada eleição. Céux, oh Céux, como bradava um dos personagens de Chico Anísio!
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