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O decoro parlamentar não é mera formalidade, questão de boas maneiras. Decorum é decência, honradez. Um congressista que desonra o seu mandato, desonra o Legislativo e o conjunto de estruturas que regem a coisa pública. Quebra de decoro é uma agressão contra a nação. Crime contra o Estado.

Quando, em 1946, a Câmara Federal tirou o mandato do deputado Barreto Pinto porque posou para a revista "O Cruzeiro" de fraque e cuecas, o decoro foi entendido como compostura. O que não deixa de ser relevante.

Sessenta anos depois, com o inevitável aperfeiçoamento das idéias e instituições, o decoro ganha uma dimensão ética e jurídica que o coloca entre os principais atributos do homem público. A quebra de decoro por parte de um parlamentar é uma agressão aos seus pares, é uma violência contra os cidadãos que o elegeram, ofensa às regras e à essência do Estado de Direito.

Um parlamentar que recebe uma "ajuda" financeira por qualquer motivo e valor comete uma infração. Não importa a sua periodicidade. Mensalão ou mensalinho são improvisações léxicas que não podem ser levadas ao pé da letra. Eufemismos destinados a maquiar e amenizar o que todos dicionários designam simplesmente como corrupção. E, nesta matéria, não há diferença entre o agente corruptor e o paciente corrompido.

Não deixa de ser tocante a solitária luta do ex-ministro e agora deputado José Dirceu para escapar da degradante companhia dos parlamentares corrompidos. Mas é inequívoca a sua condição de corruptor. Qualquer que seja o nome que se dê ao duto que irrigava o bolso de parlamentares, qualquer que seja a origem desses recursos, não se pode esquecer que trata-se de uma tenebrosa maquina de corrupção da qual participava com igual empenho o governo e o partido do governo. Não importam os objetivos, importa o método empregado: a quebra do decoro do parlamento e o aviltamento do Estado.

Se corrupção é crime, defendê-la é cumplicidade com o crime. Quando o presidente da Câmara pede publicamente um abrandamento das penas que serão impostas aos deputados que desonraram o mandato popular, Severino Cavalcanti assume uma sociedade com os infratores. Deixa de ser aquele farsesco congressista, patético representante da nossa degradação política, para converter-se em parceiro de criminosos. Formação de quadrilha é coisa grave.

Sua alegação de que crime eleitoral é crime menor e crime menor não é crime constitui uma perigosa tentativa para banalizar o mal e torná-lo irrelevante. A entrevista de Severino Cavalcanti à "Folha de S. Paulo" (terça, 30/8)) é uma conclamação à impunidade, apelo ao caos, pura subversão.

Não a fez apenas porque é fisiológico e paternalista, Severino não é bobo, sabe que um processo justo e rigoroso fatalmente chegará até ele. Não é por casualidade que as ratazanas começaram a abandonar o seu partido.

As suspeitas de que embolsou um "mensalinho" oferecido pelo concessionário de um dos restaurantes da Câmara explica a inesperada saída de Delfim Netto do PP. Delfim entende de naufrágios, apesar do corpanzil é expert em sobrevivência.

Entende-se a santa indignação do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) ao abandonar sua postura pacífica, reflexiva, para envergar novamente o uniforme de guerrilheiro e iniciar uma cruzada capaz de nos livrar da humilhação de assistir à quebra do decoro instalada formalmente na cúpula do Congresso.

Severino na presidência da Câmara é uma aberração. É a consagração da bandalheira. O processo de depuração moral finalmente iniciado não pode resumir-se às CPIs e à Comissão de Ética. Gabeira sabe que a Casa do Povo precisa merecer novamente a confiança popular.

Decoro não é peça decorativa.

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