"Na educação infantil, para um universo de 22 milhões de crianças entre zero e seis anos, acolhemos nas creches, no segmento de zero a três anos, apenas 1.126.814 crianças e no segmento de quatro a seis anos, somente 5.160.787 alunos; no ensino fundamental, persiste o fenômeno da repetência. Se o número de matrículas no primeiro ano se aproxima de 5.600.000, não chega a 2.900.000 no oitavo ano; mais de 3 milhões de crianças ainda não têm acesso à educação obrigatória, em que pesem os avanços de cobertura do último decênio; estão fora da escola mais de 2 milhões de jovens entre 15 e 17 anos; tomando como referência as metas do PNE, chega-se ao número de mais de 800.000 docentes que ainda devem fazer o ensino superior; o salário médio dos professores da educação básica, em seus vários níveis, varia de R$ 430,00, na educação infantil, a R$ 700,00, no ensino médio; na avaliação do Pisa 2003, em matemática, num grupo de 40 países, o Brasil obteve o menor rendimento, ficando abaixo do México, da Tunísia e da Indonésia. E que dizer de uma herança pesada que identifica mais de 15 milhões de brasileiros com 15 anos e mais absolutamente analfabetos? E os chamados analfabetos funcionais, que beiram os 33 milhões de pessoas?"
Esses números deprimentes constam do manifesto dos senadores em prol de uma educação pública de qualidade, mas qual é a novidade? Todos esses dados e muitos outros são velhos conhecidos de educadores, de políticos e das elites brasileiras. Entra ano e sai ano, eles continuam a deprimir as pessoas mais sensíveis, mas, além de deprimi-las, que mais acontece? Muito pouco, quase nada. No entanto, é fora de dúvida que, em termos simbólicos, o manifesto tem enorme significado pois caso as demonstrações de apreço pela educação se transformem em ações concretas poderemos ter avanços reais na área. Alguns dos senadores já demonstraram na prática que têm um forte comprometimento com o tema, como Cristovam Buarque que, quando governador do Distrito Federal, investiu pesadamente na educação fundamental e criou mecanismos imaginativos para que as crianças não deixassem a escola por causa da pobreza das famílias. Como ministro da Educação, no entanto, amargou a insensibilidade oficial traduzida em verbas insuficientes e apoio meramente formal e acabou sendo publicamente humilhado com uma demissão injusta e deselegante, indigna de sua biografia.
Para ser sincero, acho que o descaso secular com a educação no Brasil é, antes de qualquer outra coisa, uma demonstração insofismável de burrice e de desinformação eleitoral. Enquanto os políticos só conseguem tratar a área educacional como o locus ideal do clientelismo barato, não entendem como uma educação de qualidade para a população poderia se transformar em votos. O valor eleitoral da educação é óbvio pois, enquanto alguém pode passar a vida inteira sem entrar em uma delegacia, num tribunal ou mesmo em um posto de saúde, é quase certo que em um momento ou outro de sua vida exista uma escola pública no caminho de cada brasileiro. Quando essa escola oferece uma educação de qualidade, a experiência dos alunos e de suas famílias é inesquecível, pois nada gratifica mais um pai ou uma mãe, a quem as contingências da vida e a falta de oportunidades condenaram a uma vida sofrida e de poucas perspectivas, do que poder vislumbrar para seus filhos um futuro mais fácil graças a uma escola que realmente ensine, os proteja e oriente. Uma escola em que o professor seja um profissional preparado, respeitado e valorizado; a criança ou adolescente permaneça o tempo tecnicamente recomendável e não o tempo que a carência crônica de vagas nas escolas permite; o material didático seja abundante, os meios educacionais sejam atualizados e a biblioteca escolar algo mais do que uma ficção bem intencionada. Uma boa escola é insuperável como propaganda política.
Um sonho impossível? Claro que não, como os países da Ásia demonstraram nos últimos cinquenta anos quando, abandonaram sua condição de países subdesenvolvidos e se transformaram em potências tecnológicas, economias sofisticadas e sociedades modernas graças, fundamentalmente, aos investimentos em educação. Um sonho que depende de determinadas condições político-ideológicas para ser realizado? Não. Se Fidel Castro educou a população cubana, o generalíssimo Francisco Franco, no outro extremo do arco ideológico, também o fez com os espanhóis. Entre um extremo e outro, governantes autoritários como Mohammad Mahatir, na Malásia, e Lee Kuan Yew, de Cingapura, também o fizeram. Melhor ainda: ser autoritário ou totalitário não é um requisito para aumentar os investimentos educacionais uma vez que a totalidade dos países democráticos como a França, os Estados Unidos, o Canadá e muitos outros o fez muito antes do que os déspotas esclarecidos modernos.
E o dinheiro? Não deve ser problema se houver vontade política. Um país que encontra 150 bilhões de reais a cada ano para pagar os juros mais generosos do planeta, que detona bilhões de reais em propaganda oficial desnecessária, que joga dinheiro pelo ralo mantendo uma burocracia adiposa e ineficiente, fazendo coisas inúteis e pomposas e que consegue abastecer os mensalinhos e mensalões, certamente tem dinheiro suficiente para educar sua população.