Dadas as reações contra e (majoritariamente) a favor da minha coluna de semana passada, peço paciência aos leitores para tratar do mesmo tema, infelizmente deixado de lado pelos que atacaram o texto por não entender as metáforas. O tema daquele texto, bem como deste, é a dignidade.
A dignidade tem vários lados, várias facetas, como aliás quase todo aspecto do ser humano. A primeira delas é a dignidade própria, intrínseca ao ser humano. Essa temos todos. O viciado em crack caído numa sarjeta não a perde, e o alto executivo viajando de primeira classe não tem dela mais que os outros.
A segunda é a dignidade projetada pela pessoa. Neste quesito, alguém que se entregou ao vício e caiu na sarjeta não projeta sua dignidade real, colocando-se abaixo do executivo. Não por ter menos dignidade própria, mas por não a respeitar, por negar esta dignidade com seus próprios atos.
A terceira é a reação do próximo a esta dignidade: o elemento antissocial um assaltante ou estuprador, por exemplo age de modo indiferente tanto à dignidade própria quanto à dignidade projetada.
Estas três facetas da dignidade, contudo, andam juntas. O crime do estuprador, como todos sabemos, é bárbáro justamente porque a violação da intimidade e da autodeterminação logo, da dignidade é muito pior que a perda de bens materiais. A afirmação da dignidade deve sempre ser feita de maneira plena. Não adianta afirmar a dignidade intrínseca e negar o valor da projetada. Não adianta incentivar a projetada sem agir contra a negação dela pelo próximo.
Combate-se a violência primeiramente perseguindo e punindo o agressor, mas o mais fraco também deve ser ajudado a reconhecer sua dignidade e a projetá-la. Sair às ruas negando em ato a dignidade feminina pode parecer uma boa ideia para quem vive num padrão de classe média, para quem tem a certeza dada pela experiência de que sua dignidade não está em jogo. Para a moça viciada e pobre, que se prostitui por droga, um bando de madames se afirmando "vadias" é uma piada de mau gosto, como seria para um escravo um bando de doutores brancos com a cara pintada de rolha queimada fazendo piruetas com enxadas.
A paródia é uma forma de degradação. A vítima precisa é perceber a própria força, reconhecer a própria capacidade, exercer seu direito inalienável de autodefesa; de nada ajuda caricaturá-la em público. Evitar um estupro com uma unha comprida e bem tratada no olho do marginal faz mais pela dignidade feminina que 1 milhão de mulheres seminuas em público numa marcha.
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