Recentes denúncias contra o ministro Antônio Palocci, prontamente respondidas pelo interessado, desencadearam um debate a respeito do papel do Ministério Público e da imprensa na apuração de casos de corrupção. Ao contrário do presidente da República e de inúmeros protagonistas da crise brasileira, que têm demonstrado lentidão e ambigüidade nas suas reações, o ministro da Fazenda, rápido e contundente no contra-ataque, demonstrou notável habilidade. Sua resposta, de fato, não diferiu substancialmente da linha adotada por seus companheiros de governo e de partido. Fez o que todos fizeram: desmentiu tudo. O futuro dirá se as declarações do ministro serão avalizadas pela inexorável força da verdade. Espero, sinceramente, que sim.
Surpreendeu-me, no entanto, a unanimidade inicial, acrítica e irrestrita, da mídia e dos políticos à entrevista de Antônio Palocci. É claro que o ministro tem a seu favor um trunfo fortíssimo: é o principal fiador de uma política econômica séria e responsável. Ademais, tem conseguido se manter distante do sórdido jogo político que envolve seus colegas de agremiação. As acusações, contudo, não são, aparentemente, uma simples cartada no xadrez estratégico de um beneficiário do recurso à delação premiada. Segundo o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo César Rebello Pinho, o Ministério Público reuniu "fartas provas" sobre fraudes em licitações da prefeitura de Ribeirão Preto, "inclusive com relação à gestão do ministro Palocci". Pinho disse que a promotoria identificou "conluio entre os licitantes para favorecer uma determinada empresa".
Segundo o procurador-geral, o esquema também vigorou em outros municípios da região ele citou Matão, Sertãozinho e Monte Alto. "O conluio ocorreu em diversas gestões, inclusive a do ministro", reiterou o chefe do Ministério Público paulista. "Estamos investigando um megaesquema de fraude na licitação do lixo que envolve diversos municípios." Sublinhou que "não existe prova documental" em relação a suposto envolvimento direto de Palocci em licitações fraudulentas em Ribeirão Preto. Mas reafirmou "que em relação à gestão Palocci, existem evidências."
Resumindo, caro leitor, não se pode submeter o ministro da Fazenda aos procedimentos iníquos do prejulgamento, mas, ao mesmo tempo, não se justifica tamanha absolvição prévia, sobretudo se levarmos em conta (e devemos fazê-lo) os precedentes que têm arranhado a imagem do governo Lula.
O papel do Ministério Público, guardadas as devidas proporções, se aproxima, e muito, da dimensão social da imprensa. A repercussão do nosso trabalho exige, por óbvio, independência e sensibilidade ética. Preocupam-se alguns, com razão, com os riscos de prejulgamento que podem advir de uma declaração precipitada e pública da autoridade (leia-se do Ministério Público) estampada em manchete de jornal. É verdade que já houve excessos por parte de membros do Ministério Público. O melhor exemplo, que o PT procura silenciar, foi a incompetente e histriônica atuação do procurador Luiz Francisco de Souza. Fazia muito alarido, mas conseguia pouco resultado. Casos isolados (não gostei da precipitação desnecessária que marcou as entrevistas concedidas à imprensa pelos promotores do caso Buratti) não podem comprometer o trabalho da instituição.
Vislumbro no comportamento dos acusados dos supostos esquemas de corrupção uma estratégia muito clara, mas perigosa para a credibilidade das instituições. Negam tudo. Assumem, eventualmente, a prática de crime eleitoral. E apostam, confiantes, numa redonda absolvição judicial. Trata-se, estou certo, da orientação transmitida pelo experiente criminalista que, como todos sabem, comanda o Ministério da Justiça. O precedente do ex-presidente Collor, contudo, é um estímulo para a delinqüência e um tiro de morte nas instituições do país.
Não se constrói uma democracia com casuísmos ou espertos malabarismos jurídicos. Edifica-se uma grande nação, sim, com o respeito à lei e à verdade. Por isso, caro leitor, a prioridade não deve ser a manutenção a qualquer preço dos avalistas da política econômica. A opção correta deve ser a busca da verdade e a punição dos corruptos, independentemente do cargo que ocupem na República. Só assim, estou certo, a economia não fará água. O melhor recado para o investidor estrangeiro e para os setores produtivos não é a blindagem de pessoas, mas das instituições. Uma democracia séria, com imprensa livre e instituições sólidas, é a melhor prevenção contra as crises. Trata-se da única receita eficaz contra futuras turbulências.
Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil, e diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda. difranco@ceu.org.br
Deixe sua opinião