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Nesta sexta-feira, o ministro Alexandre de Moraes e o Supremo Tribunal Federal atingiram uma marca vergonhosa para a democracia brasileira: a perseguição movida contra um grupo de oito empresários “acusados” (entre aspas, porque não existe acusação formal) de cometerem o “crime” de emitir opiniões políticas no WhatsApp (entre aspas, porque obviamente esse tipo de opinião não é criminosa) completou 100 dias. E não há a menor perspectiva de que ela seja encerrada em breve, apesar de todos os absurdos cometidos ao longo desses quase três meses e meio e dos pedidos de arquivamento feitos pela Procuradoria-Geral da República; nem de que o plenário da corte analise as decisões monocráticas de Moraes, relator dos inquéritos das fake news, dos “atos antidemocráticos” (este já arquivado) e das “milícias digitais” no Supremo.
Em 23 de agosto, oito empresários foram alvo de operação de busca e apreensão; seus perfis em redes sociais foram suspensos, suas contas bancárias foram bloqueadas e seus sigilos bancário e telemático foram quebrados – e boa parte dessas medidas foi tomada a pedido não da Polícia Federal, mas do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o que acrescenta mais uma camada de absurdo ao episódio. O que fizeram de tão grave? Segundo seus acusadores (sempre no sentido informal da palavra, pois não há denúncia apresentada até agora) na imprensa e no meio político, eles tramavam um golpe para abalar a democracia brasileira; o delegado da PF Fábio Shor chegou a afirmar explicitamente que eles estariam “participando de um grupo no aplicativo de mensagens WhatsApp para arquitetar uma ruptura do Estado Democrático de Direito”.
A insistência de Alexandre de Moraes em dar prosseguimento a essa investigação é a insistência no arbítrio e na negação da garantia constitucional da liberdade de expressão e do Estado de Direito
Mas as mensagens trazidas a público por um jornalista que conseguira se infiltrar no grupo de WhatsApp em questão deixam claro que não havia conspiração nem incitação a nenhuma ruptura ou ato de força; no máximo, havia opiniões de cunho político, com os empresários visivelmente contrariados diante da perspectiva de uma vitória de Lula na eleição que se aproximava, e especulações sobre a legalidade de certas ações para incentivar o voto em Jair Bolsonaro, conjecturas logo descartadas e que jamais poderiam incriminar ninguém, já que não existe “crime de cogitação” no Brasil. Aliás, dos oito empresários perseguidos, apenas dois efetivamente escreveram algo, e um terceiro se limitou a comentar uma mensagem com a imagem de uma pessoa aplaudindo.
Até agora, a tese do “ataque à democracia” jamais se comprovou, mas os sigilos continuam levantados, os aparelhos seguem apreendidos, parte dos empresários ainda está censurada nas mídias sociais, e apenas as contas bancárias foram desbloqueadas porque o 7 de Setembro já havia passado, como se houvesse “prazo” para um suposto golpe bancado pelo grupo. E se, depois de tanto tempo, as investigações – ainda por cima realizadas por meio do expediente abusivo da “pesca probatória” – não encontraram elementos para que seja oferecida uma denúncia contra os empresários por crimes reais, não por “crimes de opinião” ou “crimes de cogitação”, não existe motivo algum para não terminar de vez com a investigação.
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A essa altura do campeonato, qualquer magistrado afeito ao devido processo legal já teria arquivado o caso todo (como, aliás, foi solicitado pela PGR, ignorada por Moraes). Ou, na menos pior das hipóteses, teria remetido todos os autos à Justiça de primeira instância, já que nenhum dos empresários tem foro privilegiado – este foi o pedido dos advogados de Luciano Hang, também negado por Moraes. A insistência do relator em dar prosseguimento a essa investigação é a insistência no arbítrio e na negação da garantia constitucional da liberdade de expressão e do Estado de Direito – ainda que Moraes e aqueles que o aplaudem estejam convencidos de que tudo isso é absolutamente legal e necessário para proteger a democracia brasileira. E cada dia a mais de perseguição é um argumento adicional para que iniciativas como a CPI do Abuso de Autoridade sigam adiante, para que ao menos essa parte da sociedade brasileira que dorme inerte, feliz porque seus adversários ideológicos estão sendo fustigados pela Justiça, acorde para o tamanho da agressão que vem sendo cometida.