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Editorial

130 anos de República

Ulysses Guimarães e sua obra-prima: a Constituição Federal de 1988, em vigor até hoje.
Ulysses Guimarães e sua obra: a Constituição Federal de 1988, em vigor até hoje. (Foto: Agência Brasil)

Neste 15 de novembro, a república presidencialista brasileira completa 130 anos desde sua proclamação em 1889, quando um golpe político e militar liderado pelo marechal Manuel Deodoro da Fonseca aboliu a monarquia parlamentarista, destituiu o imperador dom Pedro II e instaurou a república. O Brasil já havia decidido, 77 anos antes, tornar-se livre e responsável por seu destino com a declaração de independência em relação a Portugal, em 1822. Desde então, o país aprovou sete constituições, a “Lei Fundamental” das bases, princípios e normas sob as quais o país e sua população decidem como querem existir e se desenvolver. A primeira Constituição data de 1824, logo após a independência; a segunda, de 1891, menos de dois anos após a proclamação da República; a terceira, de 1934, na chamada Segunda República; a quarta, de 1937, na época do Estado Novo, sob a ditadura de Getúlio Vargas; a quinta é de 1946, voltando às bases da Constituição de 1934, para eliminar os ditames do regime autoritário getulista; a sexta, de 1967, foi elaborada pelos militares que haviam assumido o poder em 1964, com o golpe que depôs João Goulart; por fim, a sétima – e que vigora até hoje – foi promulgada em 1988; apelidada de Constituição Cidadã, ela consolidou a redemocratização iniciada em 1985.

Essas sete constituições e suas emendas resultaram todas da promessa de criar as bases para o desenvolvimento nacional, superar a pobreza e oferecer um bom padrão de vida e de bem-estar social ao povo brasileiro. A Constituição atual, promulgada em 5 de outubro de 1988, já teve pouco mais de 100 emendas, entre as ordinárias e as emendas de revisão, e ainda terá várias outras, a julgar pela quantidade de PECs em tramitação no Congresso Nacional. Portanto, não é por falta de normas constitucionais que o Brasil continua com baixo crescimento econômico, elevado desemprego e altos índices de pobreza. O problema não reside na quantidade de normas, mas em seus princípios e sua qualidade.

As bases da república inaugurada há 130 anos ainda estão aí e não foram capazes de lançar a nação rumo ao grupo dos países desenvolvidos

Vários erros foram cometidos pelo país ao longo de sua história, e eles fazem parte da explicação sobre o atraso e a pobreza, a despeito das riquezas naturais abundantes. Sempre são invocadas causas como a formação nacional, a cultura, os hábitos e a mentalidade da população – temas que são objeto de profundas controvérsias –, aos quais se juntam erros conhecidos. Um deles, a industrialização tardia e a permanência do país dependente de um setor agrícola pobre e sem tecnologia, como resultado do fato de que, embora a independência tenha ocorrido em 1822, somente em 1844 foram instalados os primeiros pilares para a industrialização.

Outro erro foi a demora em abolir a escravidão, o que ocorreu somente em 1888, retardando o surgimento de uma classe de trabalhadores livres, necessários para o novo ciclo de desenvolvimento baseado na indústria e nas tecnologias surgidas a partir da Revolução Industrial décadas antes. Os trabalhadores livres teriam sido importantes para formar uma classe com renda capaz de significar uma nova classe de consumidores, necessária à formação de um mercado consumidor interno. Para agravar o quadro, o terceiro erro foi a não criação, junto com a declaração da independência, de um sistema de educação básica pública e gratuita para todos os brasileiros. A omissão do Estado em relação à educação, desde a expulsão dos jesuítas em meados do século 18, foi talvez o mais grave dos erros. No tempo da colônia, os jesuítas atuavam na educação brasileira, mas, após um longo histórico de problemas com a Coroa portuguesa, o rei dom José I, aconselhado pelo Marquês de Pombal, decidiu pela expulsão dos jesuítas do reino português e suas colônias em 1759, sem que o governo – seja o português, até a independência, seja o imperial, depois de 1822 – assumisse a tarefa de montar um moderno sistema educacional.

Embora a industrialização tardia, a demora em pôr fim à escravidão e a inexistência de um sistema educacional tenham dado causa à pobreza e ao baixo desenvolvimento que vigoram até hoje, esses fatos da vida nacional não respondem sozinhos pelo atraso do país. As bases da república inaugurada há 130 anos ainda estão aí e não foram capazes de lançar a nação rumo ao grupo dos países desenvolvidos. Um dos problemas é que, a cada Constituição implantada, aumentava o inchaço do setor estatal; mais o governo passava a interferir na vida dos indivíduos e nos negócios, mais a burocracia estatal se tornava cara, ineficiente, sufocante e corrupta, de forma que se acabou criando uma sociedade a serviço do Estado, e não o inverso, que seria o correto.

Ulysses Guimarães, presidente da Câmara e da Assembleia Nacional Constituinte na promulgação da Constituição de 1988, chamou a carta magna de “Constituição Cidadã” sob o argumento de que ela trouxe o cidadão para dentro da lei fundamental, alegando que isso iria servir aos pobres e melhorar as condições sociais. A intenção pode ter sido boa, mas o que se viu, ao longo desses 130 anos de República e 31 anos da Constituição de 1988, com suas mais de 100 emendas, foi um país amarrado, lento, fechado e pouco inovador. O povo não foi trazido para dentro da Constituição: pelo contrário, o Estado subiu nos ombros do povo para tributá-lo e controlá-lo. O resultado é que nem os 130 anos de República, nem os quase 200 anos de independência (a completar em 2022), e muito menos a Constituição Cidadã foram suficientes para tirar o país do atraso, superar a pobreza e melhorar o padrão de bem-estar social médio dos 208,5 milhões de habitantes a ponto de tornar o Brasil um país desenvolvido. O desafio de cumprir os objetivos declarados na Carta Magna continua aberto, à espera das reformas que efetivamente coloquem o Estado para servir o cidadão.

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