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Os analistas econômicos e os organismos internacionais gostam de examinar a economia de um país e gerar relatórios conclusivos por períodos decenais, em geral no ano de final zero de cada década. Assim, vão construindo a história das décadas passadas sobre o comportamento nacional em termos de crescimento econômico, desenvolvimento social, padrão de vida, êxito (ou fracasso) na redução da pobreza e na conquista de padrões médios de vida capazes de contribuir para a felicidade da população e reduzir as carências sociais. Para a execução da tarefa analítica, os estudos incorporam os grandes setores da vida humana, em especial a economia, a política, o social, o ambiental, o cultural, cada com qual com seus subsetores.
Encerrado o ano de 2020, o último da segunda década deste século 21, têm surgido análises em relatórios, livros, ensaios, artigos, entrevistas e opiniões as mais diversas sobre o desempenho do Brasil na década encerrada em dezembro passado, como também tem havido boas análises tomando os últimos 40 anos. Esse período é suficientemente longo para permitir compreender como o Brasil se comportou em relação às soluções de problemas que exigem longo prazo para sua evolução. Assim, começando com o ano de 1981 e chegando ao fim de 2020, as conclusões feitas por analistas à esquerda e à direita convergem para uma mesma direção: o Brasil é o país das oportunidades perdidas, das soluções não concluídas e do desperdício de condições favoráveis ao progresso (caso do bônus demográfico, que já está indo embora aceleradamente).
Por que o país, sendo tão rico de recursos naturais, não conseguiu atingir elevado padrão médio de vida e superar a pobreza nos últimos 40 anos?
As análises sobre o Brasil sempre partem de uma pergunta, simples e ao mesmo tempo difícil de responder, na qual está embutida uma afirmação: por que o país, sendo tão rico de recursos naturais, não conseguiu atingir elevado padrão médio de vida e superar a pobreza nos últimos 40 anos? O fim do regime militar se deu em 1985, com a eleição do primeiro civil, Tancredo Neves, por via indireta no Colégio Eleitoral, ano em que a redemocratização avançou. Em seguida, foi eleita a Assembleia Nacional Constituinte, da qual nasceu, em outubro de 1988, a Constituição Federal atualmente em vigor, alterada por suas mais de 100 emendas. Porém, nas quatro décadas decorridas entre 1980 e 2020, o crescimento econômico e o desenvolvimento social foram pífios, a nação segue com baixa renda por habitante e os índices de miséria e de pobreza continuam muito altos.
O Brasil dispõe de analistas preparados, estudiosos do país, com variadas formações: economistas, sociólogos, cientistas políticos, juristas, diplomatas, historiadores e outros, de inclinações ideológicas e político-partidárias diversas, e grande parte deles concorda em um ponto: o país não tem conseguido fazer as reformas necessárias e, quando as faz, nunca entrega uma obra completa. As reformas têm sido remendos em cima de estruturas velhas e disfuncionais, portanto incapazes de lançar a nação rumo ao crescimento econômico e o desenvolvimento social.
Recentemente, o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e um dos membros da equipe que concebeu e implantou o Plano Real, em 1994, concedeu entrevistas sobre o Brasil, a propósito do lançamento de seu livro Lições Amargas: Uma História Provisória da Atualidade. Tanto nas entrevistas quanto no livro há importantes reflexões e informações sobre os últimos 40 anos de história do país. Não se trata de gostar ou não de Franco, nem de aprovar ou não sua corrente de pensamento, mas sim de reconhecer que é alguém com elevada cultura histórica, sofisticada formação intelectual, experiência na vida política de Brasília e independência intelectual. Como já dito, o Brasil tem analistas de alta capacidade à esquerda e à direita, e adeptos de correntes diferentes de pensamento, cujas análises merecem ser lidas e examinadas, mesmo porque é do embate de opiniões que surgem as melhores interpretações sobre o baixo desempenho brasileiro dos últimos 40 anos.
Este ano de 2021 terá um crescimento econômico estimado, até o momento, em algo entre 3% e 3,5%, mas com uma ressalva essencial: essa taxa de crescimento é estimativa que varia conforme o momento e a fonte, e é calculada sobre o PIB de 2020, que fechou em R$ 7,4 trilhões, com queda de 4,2% sobre 2019. A crise decorre da pandemia do coronavírus e das medidas de isolamento social, que culminaram com o fechamento de empresas e instituições variadas e muito desemprego. Isso significa que o PIB deste ano ainda será menor que o de 2019, fazendo que o crescimento nesta terceira década do século 21 dependa dos nove anos seguintes a partir de 2022. A meta almejada pelo governo, expressada no Decreto 10.531/2020, que instituiu o plano chamado “Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil relativa ao período de 2020 a 2031”, é de um crescimento médio anual de 3,5% do PIB, significando que os anos de recessão devam ser compensados por crescimento acima dos 3,5% nos anos de prosperidade.
A reflexão mais importante a ser feita pelo governo, pelos políticos e pela sociedade em geral é: quais reformas e medidas são as mais importantes e capazes de permitir o desempenho esperado nesta década? O grande desafio é conseguir executar as reformas e as medidas identificadas, coisa que o Brasil não tem conseguido fazer. Desde os estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal, passando pelas análises de várias outras fontes e outros especialistas, entre elas as análises de Gustavo Franco no livro Lições Amargas, o Brasil tem um manancial de relatos e reflexões capazes de identificar os problemas e suas soluções. Resta saber se governos, parlamentos e instituições da sociedade serão capazes de fazer as reformas que não foram feitas nos últimos 40 anos, mas sobretudo fazê-las de forma completa, abandonando a rotina de adotar meias soluções.