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Editorial

A acolhida do Brasil aos refugiados

Brasileiros repatriados e ucranianos que deixaram o Leste Europeu por conta da invasão russa desembarcando da aeronave da FAB, nesta quinta-feira (11). (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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A guerra na Ucrânia vem causando o mais rápido crescimento no número de refugiados do mundo desde a II Guerra Mundial. O total de pessoas que já fugiram do país atingiu a marca dos 2,5 milhões, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ou Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Internamente, estima-se que mais 2 milhões de pessoas estejam deslocadas de suas casas, ainda em solo ucraniano. A agência internacional já declarou que as estimativas iniciais de que o conflito poderia precipitar um contingente de 4 milhões de pessoas deslocadas do país precisam ser revistas, já que esse número deve ser atingido muito em breve.

A Polônia tem sido o destino preferencial dessas pessoas até agora. O país vizinho recebeu até aqui 1,5 milhões de pessoas, com mostras genuínas de solidariedade e engajamento público. As autoridades polonesas, juntamente com o ACNUR, distribuíram ajuda de emergência em dinheiro aos refugiados em Varsóvia, um programa que deve se expandir para outras cidades e vilas que estiverem acolhendo grande número de pessoas. O governo também propôs uma lei que disponibiliza às pessoas que acolhem refugiados um auxílio de 8,3 € (aproximadamente US $9,10 dólares) por dia e por pessoa. Porém, um aumento ainda mais rápido desse número pode esgotar rapidamente a capacidade do país receber quem foge da guerra.

Algumas milhares de pessoas já se deslocaram para o oeste, com mais de 80.000 ucranianos agora registados na Alemanha, um número que cresce dia a dia. Trabalhando em conjunto, governo e população já disponibilizaram mais de 30.000 casas privadas para alojar os refugiados. Outros países da Europa devem enfrentar a questão em breve e não é fácil prever quando o problema vai se estabilizar.

Como em outros momentos da nossa história, é provável que o Brasil também se torne o destino escolhido por milhares de pessoas querendo se afastar das turbulências da Europa. Em outros períodos da história, nosso país já recebeu levas de imigrantes ucranianos, que foram responsáveis por fundar comunidades inteiras no país, como aconteceu no Paraná. O vasto território, o clima favorável, a ausência de conflitos internos, a distância em relação às nações em guerra e a reputação de hospitalidade do povo brasileiro contribuem em muito para a escolha do país como novo lar para muitos refugiados ao redor do mundo.

Apesar disso, é inevitável relembrar que a experiência mais recente do Brasil na recepção de refugiados deixou a desejar. A crise humanitária que atingiu a Venezuela, com a deterioração da situação econômica e o aumento da repressão do governo de Nicolás Maduro, levou ao deslocamento de cerca de 4 milhões de pessoas para fora do país. Grande parte desse contingente foi para a Colômbia, mas outros milhares de venezuelanos vieram para o Brasil em busca de sobrevivência. Durante meses, tiveram que viver em acampamentos improvisados, principalmente no estado de Roraima, provocando o acirramento das tensões sociais na região. O processo de interiorização dessas pessoas foi demorado e marcado por uma assistência social deficiente, de modo que até hoje é possível ver venezuelanos pedindo dinheiro em semáforos nas grandes capitais brasileiras ou vivendo em favelas e outros assentamentos irregulares.

Em 2021, o Brasil registrou queda de 88,3% do número de refugiados em comparação ao ano anterior, segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). No ano passado, foram registrados 3.093 refugiados, contra 26.653 em 2020. Em torno de 54 mil refugiados foram reconhecidos pelo Comitê até agora e cerca de 21 mil tiveram seus registros indeferidos. No total, o país tem refugiados de 77 nacionalidades, com os venezuelanos representando 90,82% dos casos.

Até agora, pelo menos 100 ucranianos já se cadastraram em busca de refúgio no país, dos quais 19 chegaram ao Brasil na última quinta-feira (10). Eles vieram à bordo do avião que a Força Aérea enviou para a Polônia a fim de resgatar cidadãos brasileiros que estavam no território ucraniano quando a invasão russa começou. No início do mês, o governo federal editou uma portaria para conceder visto humanitário e autorização de residência aos refugiados da guerra da Ucrânia, sejam cidadãos do país europeu ou apátridas afetados pelo conflito. Isso permite que os imigrantes possam exercer atividade laboral no país.

Como em outros momentos da nossa história, é provável que o Brasil também se torne o destino escolhido por milhares de pessoas querendo se afastar das turbulências da Europa

A decisão é meritória e já demonstra a boa disposição do país em ajudar a quem precisa. Porém, a presente crise deveria servir de oportunidade para o governo melhorar o seu nível de resposta a esse tipo de problema, visto que o país entrou de vez na rota de migração internacional de refugiados. Isso inclui o desenho de uma política pública consistente, marcada de fato pelo auxílio para que as pessoas possam sobreviver no país enquanto procuram refúgio ou se integrarem à sociedade brasileira se assim o desejarem.

A presença de uma comunidade ucraniana estimada em torno de 600 mil pessoas, a maior parte delas no Paraná, deveria servir como uma ponte para isso, com os incentivos corretos do governo. Refugiados precisam de abrigo, roupas e alimento, mas também de auxílio com a língua, a cultura, a burocracia, o acesso aos serviços públicos etc. Esse tipo de integração não pode depender exclusivamente do governo, nem ficar a cargo apenas da sociedade civil. Precisa compor um leque amplo de atendimento devido a esse público, com a participação de diversos agentes, para a construção de uma eficiente rede de acolhida.

A experiência acumulada em países da Europa, que tem dado exemplo de solidariedade, como os casos citados da Polônia e da Alemanha, deve servir de inspiração para o desenho de uma nova política pública para os refugiados no país, integrando governo e sociedade, particularmente às comunidades de origem estrangeira estabelecidas aqui. É sempre bom lembrar que a recepção adequada de imigrantes não atende só a um princípio humanitário, mas tem sido estratégica para um país como o Brasil. Em outros momentos da nossa história, imigrantes europeus trouxeram técnicas, conhecimentos e contribuições as mais variadas para a nossa sociedade. Agora, não deveria ser diferente. As grandes crises trazem oportunidades para que países e pessoas sejam melhores do que são. E podemos sê-lo nesse aspecto.

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