A Venezuela chavista, disse uma vez o ex-presidente Lula, tinha "democracia até demais". Pois nos últimos dias o mundo pôde perceber, mais uma vez, como é peculiar essa "democracia". A repressão violenta contra as manifestações populares que tomaram as ruas de diversas cidades venezuelanas desde quarta-feira passada, com três mortos, dezenas de feridos e de pessoas presas, e ações explícitas de censura e hostilidade à imprensa mostra que, de democrática, a Venezuela hoje não tem praticamente nada.
Multidões tomaram as ruas no Dia da Juventude para pedir a saída do ditador Nicolás Maduro, sucessor do falecido caudilho Hugo Chávez. Houve violenta repressão policial e dois manifestantes foram mortos a tiros segundo testemunhas, os disparos foram efetuados por pessoas à paisana; o jornal El Universal fala em membros de milícias chavistas e agentes do Serviço de Inteligência Bolivariana (Sebin). Um policial de Caracas, membro de um grupo chavista, também foi morto.
No entanto, quem estava longe das manifestações teve pouquíssimos meios de saber o que vinha ocorrendo. Os canais de televisão venezuelanos não transmitiram cenas das manifestações; não se sabe se houve censura explícita ou se as emissoras, já conhecedoras dos métodos chavistas, resolveram se autocensurar. Coube ao canal colombiano NTN24, que os venezuelanos com tevê a cabo podem assistir, mostrar a mobilização popular. Os chavistas não pensaram duas vezes: cortaram o sinal da NTN24 em duas provedoras de tevê por assinatura. Além disso, dois jornalistas foram presos, um fotógrafo e um blogueiro. Chavistas roubaram uma câmera de vídeo da agência France Presse e uma câmera fotográfica da Associated Press. Os jornalistas tinham registrado imagens da repressão policial aos manifestantes.
Aliás, é interessante lembrar que, um dia antes do protesto dos estudantes, foi a vez de os jornalistas irem às ruas. Meses atrás, em mais uma tentativa de estrangular a imprensa que não se curva ao chavismo, o governo deixou de vender aos órgãos de comunicação os dólares de que necessitam para comprar papel. Uma nota da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) afirma que, desde setembro do ano passado, dez jornais tinham deixado de circular e outros 29 tinham diminuído o número de páginas ou eliminado cadernos. A SIP apoiou a manifestação dos jornalistas. O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da entidade, Claudio Paolillo, acusou Maduro de levar a cabo uma "estratégia oficial destinada a castigar meios independentes".
Maduro, como convém a líderes do seu naipe, apelou para teorias da conspiração, acusando um golpe de Estado com financiamento norte-americano (como já fez em diversas outras vezes, diga-se de passagem); seu ministro da Informação, Delcy Rodríguez, chamou os chavistas para uma "marcha antifascista". E, por fim, o ditador resolveu silenciar os adversários, pedindo a prisão de líderes oposicionistas. Como a Justiça do país é majoritariamente bolivariana, não tardou a aparecer uma juíza disposta a ouvir o clamor de Maduro. Ainda na quarta-feira, a magistrada Ralenys Tovar Guillén mandou prender Leopoldo López, fundador do partido Voluntad Popular, por crimes que incluem até homicídio e terrorismo. Também há mandados de prisão contra um ex-oficial da Marinha, Ivan Carratú, e um ex-embaixador da Venezuela na Colômbia, Fernando Gerbasi.
O "socialismo do século 21", percebe-se, não tem nada a dever ao "socialismo do século 20", que deixou um rastro de dezenas de milhões de mortos, perseguição política escancarada, censura, pobreza e caos econômico basta lembrar a inflação anual de 56% e a escassez de diversos produtos básicos. A ditadura de Chávez e Maduro está esgarçando o tecido social venezuelano e criando uma polarização que já começa a dar trágicos resultados.
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