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Editorial

A agonia do Mercosul

O Mercosul nasceu como bloco de integração regional entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, com o objetivo de ser um “mercado comum”, tipo de bloco no qual, além do livre comércio, há outras práticas negociadas, como as imposições tributárias sobre o comércio exterior entre os países-membros, as barreiras não tarifárias (fiscalização sanitária de produtos alimentícios, por exemplo), o livre movimento de trabalhadores e o compromisso de adotar práticas econômicas e políticas comuns, entre elas a democracia política.

O Mercosul foi a tentativa de colocar de pé um bloco regional nos termos de um mercado comum, mas, desde seu nascimento, é um ente vacilante e incapaz de funcionar nos termos previstos e combinados nos diversos acordos firmados por seus membros. Dois eventos políticos quase simultâneos marcaram a trajetória do Mercosul nos últimos tempos e o fizeram retroceder: a suspensão temporária do Paraguai quando da destituição do presidente Fernando Lugo pelo parlamento e a aprovação da entrada da Venezuela no bloco. A Argentina governada pelo casal Kirchner, com o apoio de Dilma Rousseff e do uruguaio Pepe Mujica, rechaçou com veemência a destituição do presidente paraguaio sob a alegação de que não foi um ato democrático. Como o Paraguai era o único país que bloqueava a adesão venezuelana, a suspensão do país permitiu que a Venezuela chavista finalmente entrasse no Mercosul.

Em alguns momentos, os integrantes do bloco protagonizaram confrontos entre si

A existência de democracia é uma das exigências para um país fazer parte do bloco e soa irônico que a Venezuela, governada por um regime que nada tem de democrático, tenha levantado a voz contra a destituição do presidente Lugo sob a alegação de falta de democracia. É essa mesma Venezuela de Nicolás Maduro – um arremedo de ditador latino-americano – que vem agora censurar o Brasil pela queda da presidente Dilma Rousseff, sob a alegação de que o impeachment aprovado pelo Senado brasileiro foi um golpe parlamentar não democrático.

Esses três episódios são pregos no caixão funeral do Mercosul, projeto que nasceu com grandes chances de fracasso por tentar integrar países com enormes diferenças em inflação, políticas tributárias, regras sobre investimentos estrangeiros e política cambial. Em alguns momentos, os integrantes do bloco protagonizaram confrontos, como foi o caso da postura da Argentina contra importações de produtos brasileiros, e as diferenças entre esse vizinho e o Brasil nas votações da Rodada de Doha que discutiam subsídios agrícolas e industriais concedidos por países ricos e emergentes a determinados setores internos.

Apesar desses obstáculos, o Mercosul é uma ideia que não deve ser abandonada como objetivo de longo prazo; as expectativas sobre o futuro do bloco dependem do que vai ocorrer daqui para a frente em relação à política internacional dos países-membros. Se por um lado há melhores ventos políticos no Brasil e na Argentina, por outro o acirramento dos ânimos protagonizado por Venezuela, Bolívia e Equador, que chamaram seus embaixadores de volta após o Senado brasileiro destituir a presidente Dilma, cria problemas para o Mercosul, sobretudo porque a Venezuela é membro do bloco e o repúdio de Maduro ao impeachment inviabiliza as negociações no âmbito do mercado comum.

O Mercosul vem agonizando há muito tempo e os últimos episódios prenunciam que, se nada de relevante for feito por seus membros, o bloco poderá se transformar em um ente vegetativo condenado ao fim ou à existência sem os efeitos práticos mínimos típicos de um mercado comum. É a velha América Latina de sempre, condenada à pobreza por não conseguir se libertar de seus fantasmas regionais e sempre culpando os outros por seu fracassos.

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