Faltando poucos dias para o simulacro de eleição presidencial que tem o único objetivo de dar um verniz de legitimidade a mais um mandato, o ditador Nicolás Maduro, em nova demonstração de que não tem a menor intenção de promover um processo eleitoral livre e limpo, ameaçou a população durante um ato de campanha em Caracas. “Se não querem que a Venezuela caia num banho de sangue, numa guerra civil fratricida, produto dos fascistas, garantamos o maior sucesso, a maior vitória da história eleitoral do nosso povo”, afirmou na última terça-feira, confundindo a si mesmo com o povo venezuelano, como todo bom populista.
Não que Maduro esteja realmente preocupado com qualquer possibilidade de que as urnas digam algo minimamente diferente do que ele queira ouvir e proclamar ao mundo. Por mais que pesquisas independentes sigam dando ampla maioria nas intenções de voto ao oposicionista Edmundo González Urrutia, será um verdadeiro milagre se os números divulgados pelos jornais se transformarem em vitória eleitoral das forças democráticas. Os próprios oposicionistas sabem disso – em maio, a principal liderança de oposição do país, María Corina Machado, afirmou que em um pleito limpo Maduro jamais conseguiria vencer, mas que os democratas venezuelanos estão disputando contra um “sistema criminoso”, cujas eleições “não são livres” e estão “cheias de armadilhas”. Um regime que já recorreu à fraude em disputas anteriores não hesitaria em fazê-lo novamente, e vem se cercando de todo tipo de salvaguarda, como quando impôs um documento pelo qual todos os candidatos se comprometiam a reconhecer o resultado da eleição – o texto, no entanto, não contou com a assinatura de González.
A essa altura Maduro já desrespeitou praticamente todas as cláusulas do Acordo de Barbados, que não passou de uma manobra para a ditadura ganhar tempo
Maduro, a bem da verdade, já iniciou a guerra há tempos. E ele só não precisa promover um “banho de sangue” porque a luta é bastante desigual, já que as forças democráticas venezuelanas só têm a si mesmas e a seus apoiadores, pobres e desarmados, enquanto a ditadura tem todo o poder armado – o oficial e o paramilitar –, o Legislativo, o Judiciário e a autoridade eleitoral. Ao longo da campanha, a repressão bolivariana é tamanha que restaurantes e hotéis são fechados pelo simples fato de terem atendido González e outros oposicionistas, medida que fez o candidato levar sua própria comida quando viaja em campanha, para que outros pequenos comerciantes não sejam prejudicados. Este modelo de repressão se soma às corriqueiras prisões e declarações de inelegibilidade de políticos oposicionistas e membros da campanha de González, denunciadas inclusive pela Organização das Nações Unidas. Os detidos pela ditadura incluem o chefe de segurança de María Corina, um empresário que a hospedou em sua casa, e um prefeito que declarou apoio a González.
Enquanto exibe o porrete internamente, a ditadura também faz questão de impedir que o mundo acompanhe mais de perto a farsa eleitoral. O bolivarianismo já vetou observadores europeus enquanto convoca movimentos sociais de esquerda para “atestar” a “lisura” da votação. Além disso, a autoridade eleitoral impõe todo tipo de obstáculo para que os venezuelanos no exterior – muitos deles refugiados devido ao caos econômico ou à perseguição política produzidos pelo regime – se habilitem para votar, o que impedirá a participação de algo entre 20% e 25% dos venezuelanos com idade para participar do processo. Em resumo, a essa altura Maduro já desrespeitou praticamente todas as cláusulas do Acordo de Barbados, assinado com a oposição no ano passado e que, como prevíamos, não passou de uma manobra para a ditadura ganhar tempo.
Para o Brasil de Lula, do chanceler de jure Mauro Vieira e do chanceler de facto Celso Amorim, no entanto, tudo vai muitíssimo bem. No fim de junho, Vieira afirmou esperar que a “eleição” venezuelana transcorra “com participação de observadores internacionais, transparentes, claras e aceitas por todos” – mas, se nada disso ocorrer, como provavelmente não ocorrerá, o Brasil ainda assim estará pronto para avalizar um desfecho favorável a Maduro. Dias depois, Lula disse esperar que os “resultados sejam reconhecidos por todos”, o que, na novilíngua petista, significa que os democratas derrotados deverão aceitar sem reclamar o resultado da fraude bolivariana. Essa é a “normalização da vida política venezuelana” que Lula deseja: seu amigo ditador fortalecido, e a oposição calada, como em toda “democracia relativa” que se preze.