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Editorial

A ameaça do politicamente correto à cultura

Criança lendo um livro.
Foto: Pixabay (Foto: )

Nessa semana, mais uma polêmica envolvendo o politicamente correto veio à tona. Uma escola pública de Barcelona, seguindo as recomendações da Associação Espaço e Leitura da mesma cidade, resolveu retirar da biblioteca 200 livros para crianças de até seis anos de idade. Entre os livros se encontravam vários clássicos da literatura infantil como Chapeuzinho Vermelho, A Bela Adormecida e Cinderela.

De acordo com a associação, os livros vetados teriam representações “fortemente estereotipadas” de relacionamentos e comportamentos, o que faria com que as crianças os considerassem normais.

Por que contos consagrados, de longevidade centenária, estariam agora sendo um problema para educação infantil? Seriam eles realmente um problema para a formação das crianças?

Antes de entrar no mérito da questão, é preciso salientar que a arte versa sobre o possível e, portanto, é justamente nessa atividade que hipérboles, metáforas e outras figuras de linguagem são empregadas para atingir determinados efeitos sobre quem a está apreciando.

É também por isso que muitas vezes histórias são utilizadas para exemplificar dramas morais e podem adquirir um caráter verdadeiramente pedagógico. Esse é um expediente usado desde Antiguidade. É só o leitor lembrar, por exemplo, das fábulas de Esopo.

Os contos de fadas são excelentes meios de explicar temas morais às crianças justamente por serem histórias “estereotipadas” em que o mal e o bem são facilmente distinguidos. Ou, como uma vez disse o famoso escritor britânico G. K. Chesterton, com muito humor: “os contos de fadas não servem para informar que dragões existem, mas para mostrar que podem ser derrotados”.

Em particular, as histórias que foram vetadas imortalizaram formas de expressar valores fundamentais para a humanidade. Como em Cinderela, que ressalta que devemos dar mais importância à bondade do que à beleza física, ou em A Bela Adormecida que mostra a importância do amor na superação das dificuldades, ou ainda em Chapeuzinho Vermelho, que indica como o mal pode estar presente em situações fortuitas; e mesmo em questões mais práticas como a atenção que devemos aos pais etc. Exemplos como esses ajudam em muito a formação dos valores morais. Por mais que eventuais imperfeições apareçam em questões secundárias – em relação ao enredo da obra –, estas não tiram o mérito central das lições valiosas que os contos dão, tanto para as crianças como para os adultos.

Mas essa não é a primeira vez que obras de literatura e ficção entram na mira do politicamente correto. O seriado Os Simpsons já foi considerado xenófobo pela forma como retrata o personagem Apu; Shakespeare, machista pela peça A megera domada; e até Monteiro Lobato, racista por conta de algumas cenas envolvendo a Tia Anastácia no Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Todas essas obras podem conter algum detalhe que expresse preconceitos de época ou de lugar, mas nem por isso deveriam deixar de serem apreciadas. Nelas são retratados os mais variados aspectos da vida humana, e certamente o mundo seria menor sem elas. Até mesmo em relação ao humor por vezes ácido de Os Simpsons.

Desde que uma opinião, ou obra, não seja meramente uma injúria a determinada pessoa ou grupo, não haveria por que querer eliminá-la.

Nossas convicções: Liberdade de expressão

A tolerância em relação a opiniões desagradáveis ou incômodas é um dos grandes avanços de nossa sociedade. E é isso que o politicamento correto acaba por destruir, com sua exacerbação doentia de questões que têm sua importância e precisam ser discutidas – porém, em seu devido contexto.

Portanto, não é possível que o legado centenário da educação infantil através de contos e fábulas seja abandonado porque as personagens das histórias não se comportam como alguns grupos minoritários gostariam.

É compreensível que alguns grupos queiram, por exemplo, reduzir a discussão de um ícone da literatura como Shakespeare a questões de agenda esquerdista, mas seria inaceitável a ideia de suprimi-lo, ou alterá-lo para que ficasse mais palatável a ideias politicamente corretas.

A privação das formas de expressão consagradas em literatura seria uma perda lastimável para a nossa civilização. É preciso um empenho constante de todos para preservar o legado universal da arte das investidas de ideologias autoritárias. Senão, corremos o risco de não ter uma cultura para passar para as próximas gerações.

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