Quando eclodiu a primeira crise do petróleo, em 1974, o Brasil passou a despender altas somas com a manutenção das importações para não ter de reduzir a produção interna. Veio a segunda crise do petróleo, em 1979, o governo decidiu não fazer ajustes restritivos, manteve o ritmo da produção nacional e os gastos com importações explodiram em face do aumento no preço do barril do petróleo. Nessa época, teve início a construção de um dos grandes fantasmas nacionais: a dívida externa. O crescimento dos débitos internacionais foi tanto que, em 1987, o governo decretou uma moratória da dívida externa, deixando de honrar parcelas vencidas, com sérios prejuízos para a economia nacional, com destaque para o aumento no custo dos empréstimos estrangeiros resultante da introdução de maior taxa de risco cobrada pelos bancos. Desde então, surgiram sérias dúvidas quanto à capacidade de o Brasil honrar seus compromissos, e iniciou-se um tempo de submissão aos ditames do Fundo Monetário Internacional (FMI) como condição para obtenção de financiamentos do órgão.
A dívida externa tornou-se um fantasma político e uma restrição econômica derivada dos limites à capacidade do país em fazer importações de matérias-primas, equipamentos e insumos necessários à produção nacional. Mais de duas décadas se passaram e o Brasil melhorou: as exportações cresceram, os investimentos estrangeiros diretos aumentaram e o ingresso de capitais de curto prazo subiu muito, permitindo ao país pagar o FMI, quitar dívidas com os bancos privados internacionais e formar reservas brutas em moeda estrangeira acima de 200 bilhões de dólares. O Brasil chegou ao fim da primeira década do século 21 com situação privilegiada em termos de contas externas, fato que foi decisivo pela boa resistência à crise financeira mundial.
Apesar da boa situação das contas com o resto do mundo, sinais preocupantes estão ocorrendo e é bom prestar atenção neles. A manutenção de uma taxa de câmbio baixa, que há muito tempo não consegue passar de R$ 1,80 por dólar, está impedindo o aumento das exportações e provocando redução nas vendas externas em setores que haviam ganho mercado. Esse problema é grave, pois a perda de mercados conquistados no passado cede lugar a outros fornecedores, tornando difícil a reconquista dos clientes no futuro, mesmo que a taxa de câmbio se torne interessante para o exportador brasileiro. A persistência de câmbio baixo por muitos anos pode destruir a capacidade exportadora conseguida a duras penas ao longo das últimas duas décadas. O déficit em transações correntes nos cinco primeiros meses de 2010 (que envolve o saldo da balança comercial, do balanço de serviços e das transferências unilaterais), foi de 18,7 bilhões de dólares, o que é muito ruim em comparação com o desempenho dos últimos anos.
Simultaneamente ao mau desempenho nas exportações, o ingresso de capitais estrangeiros como investimento direto no Brasil (aqueles capitais que entram e aqui permanecem, para aplicação em empresas e projetos produtivos) vem se reduzindo em razão da crise internacional. O surgimento, em 2010, de novos focos da crise, especialmente na Grécia, Espanha, Portugal, piorou a situação e as estimativas sobre o volume de ingresso de capitais para investimentos diretos foram reduzidas, quadro que ajudaria a agravar o resultado das contas externas, por sua vez já prejudicado pela diminuição das exportações. Os demais ingressos referem-se a recursos financeiros que entram no Brasil para aplicações na bolsa de valores e compra de títulos públicos, em busca de taxas de juros maiores do que às obtidas nas aplicações no mercado externo.
O quadro geral do balanço de pagamentos (que envolve o total das contas do país com o resto do mundo) é um dos desafios a serem enfrentados pelo próximo presidente da República e vai exigir medidas inteligentes. O ideal seria não esperar até lá e algumas medidas deveriam ser tomadas agora. Mas a política não é o melhor campo para a aplicação da lógica, principalmente em ano eleitoral. Caso nada seja feito, a ameaça externa poderá se concretizar e a situação do balanço de pagamentos pode se deteriorar rapidamente, deixando o país em situação financeira muito desconfortável perante o mundo. Esse tipo de problema exige solução no começo, antes que tudo se agrave e seja tarde para uma saída tranquila. Deixar a coisa como está é um equívoco, e a consequência vem em forma de redução na produção interna, sobretudo aquela voltada à exportação, levando à queda no nível de emprego, na renda das pessoas e na arrecadação tributária do governo. Esperar mais para agir pode custar um preço muito alto.