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Editorial

A anistia partidária

Uma medida aprovada esta semana na Câmara dos Deputados, tratando da fidelidade partidária, ganhou da imprensa o nome de "troca-troca", por significar, na prática, anistia ampla, geral e irrestrita aos parlamentares que deixaram ou pretendem deixar em breve a legenda pela qual foram eleitos por outra de maior conveniência particular. O perdão será concedido se a mudança for feita até o fim de setembro, antes do limite de prazo para a filiação dos que pretendem se candidatar à eleição de 2008. Felizmente, o Senado, na mesma data, deu o primeiro passo para a aprovação de uma emenda constitucional que elimina coligações em eleições proporcionais, o que devolve um pouco de legitimidade ao Congresso, amenizando a erosão causada pela outra casa parlamentar à democracia brasileira.

Em termos adequados, o princípio da fidelidade partidária deveria ser um entre os elementos de uma reforma política mais ampla, envolvendo questões vitais como o sistema de representação (voto proporcional por lista ou distrital ou, ainda, distrital misto), a permissão ou vedação de coligações em eleições proporcionais, as regras mínimas de desempenho (cláusula de barreira), o processo de financiamento das campanhas (se público ou privado, como atualmente) e outros conceitos.

Ao se limitar a um regime anêmico de fidelidade, a Câmara demonstrou promover um casuísmo de acomodação, um "cala-boca" tolo, uma vez que não escapou à opinião pública o notório fato de que, na prática, a medida acaba por anistiar a infidelidade partidária. Essa distorção seguiu orientação do Palácio do Planalto, empenhado em superar a questão incômoda da possibilidade de perda de mandato das dezenas de deputados que, eleitos por outras legendas, se transferiram para partidos da "base de apoio" do governo logo após as eleições de outubro passado. Somente no novato Partido da República (PR), do vice-presidente José Alencar, foram 18 casos: a sigla elegeu 23 deputados federais, mas passou a 41. Não por acaso, foi seu líder, Luciano Castro, que apresentou o projeto recém-aprovado na Câmara.

Pela proposta acolhida na madrugada de quarta-feira, ficam autorizadas transferências de partidos realizadas até 30 setembro do ano anterior às eleições com a única condição de que o parlamentar tenha ficado na legenda de origem por três anos. Só fica inelegível quem efetuar a mudança fora desse prazo.

Se isoladamente o critério da fidelidade partidária já seria uma redução do projeto de reforma política que o país precisa, com a permissão para a infidelidade sob certas circunstâncias, o quadro piora dramaticamente, indo do reducionismo à deformação.

Espera-se, portanto, que máscara de fidelidade aprovada pela Câmara seja barrada no Senado, restaurando-se algum padrão de sensatez ao sistema de representação política vigente. Há motivo para esperança, uma vez que o Senado agiu acertadamente ao aprovar, em sua Comissão de Constituição e Justiça, o projeto de emenda que proíbe a formação de coligações em pleitos proporcionais – para eleger de deputados ou vereadores. Se efetivamente aprovada, a proposta evitará alianças temporárias que distorcem a vontade do eleitor, permitindo que candidatos apresentados por partidos nanicos – muitos deles verdadeiros balcões de aluguel de espaço político – sejam escolhidos em lugar de outros postulantes indicados pelos partidos principais. Nesse cenário, com o correr do tempo, haverá uma desejável depuração do leque partidário, fazendo com que a medida funcione, indiretamente, como cláusula de barreira.

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