Por muito pouco o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não viveu nesta quarta-feira um novo “momento PEC 5”, em referência à PEC que mudava o Conselho Federal do Ministério Público e que Lira colocou em votação por estar certo da vitória, apenas para descobrir que faltaram 11 votos para a aprovação do texto. O presidente da Câmara recorreu até a uma manobra regimental para permitir que parlamentares no exterior pudessem votar, e mesmo assim a PEC dos Precatórios passou raspando pela primeira votação, com o apoio de 312 deputados, apenas quatro a mais que os 308 necessários.
E a aprovação teria sido impossível apenas com a base de apoio do presidente Jair Bolsonaro na Câmara. Quatro partidos, que vão da oposição de esquerda ao centro não alinhado com o governo, foram decisivos: o PSDB deu 22 votos à PEC; o PDT contribuiu com 15 deputados; o PSB entrou com 10 votos; e o Podemos, que começou a sessão de quarta favorável ao texto, depois liberou a bancada e por fim orientou o voto contrário, foi responsável por quatro votos pela aprovação. A sessão deixou as legendas rachadas: a Executiva Nacional do PSDB, por exemplo, divulgou nota criticando a “irresponsabilidade fiscal” trazida pela PEC, embora o partido houvesse apoiado o texto desde a tramitação na comissão especial. Ciro Gomes, presidenciável pelo PDT, anunciou que deixaria sua pré-candidatura “em suspenso”. Sergio Moro, que deve se filiar ao Podemos, tuitou defendendo maior ajuda aos brasileiros pobres, mas dentro da responsabilidade fiscal, o que o coloca no campo contrário à PEC.
São falaciosos tanto o discurso segundo o qual responsabilidade fiscal é sinônimo de insensibilidade para com os mais pobres, quanto a alegação de que é preciso quebrar os ovos do ajuste fiscal e do teto de gastos para se fazer a omelete do Auxílio Brasil
E é exatamente isso que está em jogo. Quando vai ao Twitter falar em “compromisso com os mais desfavorecidos” e em “acolher aqueles que sofrem com a fome e desemprego”, Lira conta apenas a parte conveniente da história. De fato a PEC dos Precatórios abre espaço no Orçamento de 2022 para um Auxílio Brasil mais robusto, mas o faz a um preço altíssimo: o de causar ainda mais estrago à credibilidade do país, sem a qual o Brasil não será capaz de atrair investimentos que gerem emprego e renda, viabilizando um crescimento sustentável no futuro – o melhor meio de tirar brasileiros da pobreza. A mensagem passada é a de um governo que não honra compromissos judicialmente determinados; que altera as ferramentas de ajuste fiscal de acordo com a conveniência; e que está disposto a gastar como se não houvesse amanhã, o que, entre outras consequências, desvaloriza a moeda, ajudando a manter a pressão inflacionária que o país vem presenciando há mais de um ano, e força o aumento dos juros, freando o investimento.
É preciso insistir: não existe antagonismo entre ajuste fiscal e combate à pobreza por meio de programas de transferência de renda como o Bolsa Família ou o Auxílio Brasil. São falaciosos tanto o discurso segundo o qual responsabilidade fiscal é sinônimo de insensibilidade para com os mais pobres, quanto a alegação de que é preciso quebrar os ovos do ajuste fiscal e do teto de gastos para se fazer a omelete do Auxílio Brasil. O que o país necessita é de inteligência e coragem para encontrar, dentro do Orçamento, os bilhões necessários para um bom programa social cortando gastos que são ineficientes ou até imorais, como o dinheiro tirado do brasileiro para bancar partidos e campanhas eleitorais.
- Farra com o dinheiro dos precatórios (editorial de 29 de outubro de 2021)
- Gastos e Selic sem teto; PIB sem piso (artigo de Josilmar Cordenossi Cia, publicado em 5 de novembro de 2021)
- Teto de gastos e gambiarra fiscal (artigo de Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr., publicado em 3 de novembro de 2021)
Para conquistar votos pedetistas, Lira prometeu priorizar precatórios destinados a professores por meio de um projeto de lei. Ele diz não contar com “mudanças partidárias bruscas”, mas, caso a repercussão negativa se intensifique, com maior pressão sobre os deputados dos partidos que não estão com o governo para que votem contra a PEC no segundo turno, o presidente da Câmara precisará tirar muitos outros coelhos da cartola para recuperar os possíveis votos perdidos. Mas muito melhor seria gastar tamanho esforço em buscar maneiras de tornar viável o Auxílio Brasil sem gambiarras orçamentárias nem calotes.
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