Após a derrota dos governistas nas prévias das eleições legislativas em setembro, o presidente argentino, Alberto Fernández, foi duramente criticado por sua vice, Cristina Kirchner. No Twitter, a ex-presidente atribuiu a Fernández “equívocos” na política econômica, já que a Argentina continua mergulhada na crise, herança maldita da própria Cristina Kirchner em seus tempos na cadeira principal da Casa Rosada, e que não foi atacada como devia por Mauricio Macri. Como resposta à crítica pelos “equívocos” novos, Fernández resolveu reciclar equívocos antigos: é o caso do congelamento de preços de cerca de 1,6 mil produtos, que deverão manter os mesmos preços de 1.º de outubro até o início de janeiro de 2022.
Diz o governo argentino que houve um “acordo” com produtores, fornecedores, supermercados e outros comerciantes, mas pouco antes do anúncio do congelamento a Coordenadora das Indústrias de Produtos Alimentícios (Copal) deixou claro que “acordo” talvez fosse um eufemismo: apesar de a entidade demonstrar disposição em cooperar, também alegou que o governo não deu ouvidos às propostas do setor e que não “garantia as condições para conciliar as possibilidades” dos empresários, ou seja, o que Fernández e seu secretário de Comércio Interior, Roberto Feletti, venderam como um entendimento estaria mais para uma imposição governamental à qual o setor produtivo teve de se conformar.
O congelamento freia a inflação em um primeiro momento, mas no segundo momento vêm a escassez de produtos e mais inflação
Depois da Venezuela, que vive no caos completo – não apenas econômico – gerado pelas políticas bolivarianas de extrema-esquerda, a Argentina é o país sul-americano com a economia mais desordenada. Os argentinos convivem há décadas com inflação alta; durante sua passagem pela Casa Rosada, Cristina Kirchner quis resolver o problema matando o mensageiro, ao intervir no escritório governamental de estatísticas e ameaçar de processo os economistas que divulgassem estimativas independentes. Desde que ela saiu da presidência, no fim de 2015, e os dados de inflação voltaram a ser confiáveis, os argentinos convivem com índices anuais que vão dos 25% aos 50%. Começando com Juan Perón, nos anos 40 do século passado, vários presidentes, de esquerda, centro e direita, recorreram ao congelamento de preços. E sempre fracassaram, repetindo uma história que já dura 17 séculos, desde o fiasco do congelamento do imperador romano Diocleciano, no século 4.º d.C.
Vários argentinos sabem disso. “Pensar que todos os preços da economia podem ser controlados e que, portanto, isso não vai ficar descoberto em algum momento é um erro, porque a inflação vem de um desequilíbrio entre a quantidade de moeda, que é o que dá o preço nominal, e a quantidade de bens produzidos e circulando na Argentina”, disse ao jornal La Nación o economista Guido Lorenzo. O congelamento freia a inflação em um primeiro momento, mas no segundo momento vêm a escassez de produtos e mais inflação. O setor produtivo argentino, já com ampla experiência sobre o tema, já intuiu que o roteiro dos congelamentos anteriores irá se repetir. Em seu comunicado, a Copal afirmou que, mais cedo ou mais tarde, as empresas começarão a “produzir com prejuízo”. E, quando isso ocorre, as máquinas simplesmente param, por mais que o governo exija das empresas que produzam no “nível máximo de sua capacidade”. Entre a desobediência e a falência, a escolha é bastante óbvia.
Quanto mais intervencionismo, mais caótica uma economia se torna. E, por mais que esta verdade já tenha sido demonstrada inúmeras vezes, em passado bastante recente, parece inacreditável que a receita continue sendo usada por governos como o argentino – mas não apenas por ele –, que ainda acredita ser possível conter a inflação com canetadas, e não com medidas de ajuste fiscal, controle de gastos públicos, liberdade econômica e estímulo à competição. Nestes momentos, resta apenas comprovar a intuição certeira de Thomas Sowell, quando afirmou que “a primeira lei da economia é a escassez. E a primeira lei da política é ignorar a primeira lei da economia”.