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| Foto: Nelson Almeida/AFP

Na semana passada, o senador eleito Cid Gomes (PDT-CE), irmão do candidato derrotado à Presidência Ciro Gomes, virou meme com a frase “o Lula tá preso, babaca!” Era sua resposta à reação que uma plateia de petistas teve em um evento para promover a candidatura de Fernando Haddad. Cid cobrou do partido uma autocrítica por todos os seus erros cometidos ao longo dos anos. “Tem de pedir desculpas, tem de ter humildade, e reconhecer que fizeram muita besteira”, afirmou, provocando a ira da plateia, que começou a gritar o nome de Lula, levando o senador eleito a lembrar a condição de presidiário do ex-presidente, dizendo em seguida: “Isso é para perder a eleição e é bem feito. [...] Vão perder feio porque fizeram muita besteira”.

Quando até a esquerda não petista reconhece a necessidade de o PT vir a público se desculpar por todo o mal que fez ao país (e a outros países), mesmo que seja como pura estratégia eleitoral, é porque a situação chegou a um ponto em que o partido e seu líder máximo já são quase um ativo tóxico, e não mais o aluno mais popular da turma, o centro da festa, aquele de quem todos desejam estar perto e ser amigos.

A lista de “besteiras” feitas pelo partido é enorme e vem de décadas, desde quando o petismo rejeitou o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas foi com a ascensão do PT ao Planalto, a partir de 2003, que o potencial destrutivo do petismo se mostrou em todo o seu esplendor. E não se trata simplesmente de decisões movidas por um desejo de acertar, mas que terminaram mal. Mesmo a “nova matriz econômica”, grande causa da crise avassaladora deixada como legado de Dilma Rousseff, foi alimentada pela criatividade contábil, pela manipulação eleitoreira dos preços administrados, pelo estelionato eleitoral de 2014, enfim, pela mentira pura e simples.

O PT nunca pediu desculpas à nação por ter montado e executado os dois maiores esquemas de corrupção do país

É no campo do respeito à democracia, no entanto, que está a maior necessidade de autocrítica do PT. O partido jamais se desculpou pelo apoio escancarado dado a ditaduras latino-americanas e africanas, apoio este que se tornou política de Estado quando o partido esteve no poder. Se hoje um Nicolás Maduro se acha capaz de poder barbarizar seu povo, foi porque sabia que encontraria apoio do maior país do continente. E, principalmente, o PT nunca pediu desculpas à nação por ter montado e executado os dois maiores esquemas de corrupção do país, o mensalão e o petrolão. A compra de apoio parlamentar e a pilhagem da maior empresa brasileira, com o objetivo de perpetuar o projeto de poder petista, foram autênticos golpes na democracia brasileira, como disseram repetidas vezes procuradores do Ministério Público e ministros do Supremo Tribunal Federal, como Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e Carlos Ayres Britto.

Mas a reação dos petistas às verdades ditas por Cid Gomes mostra que o PT ainda será incapaz de tal autocrítica por muito tempo. O partido idolatra um presidiário condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Antes dele, todos os outros que foram investigados, denunciados, julgados e condenados pelos escândalos foram aclamados como “guerreiros do povo brasileiro”. O partido chegou a pisar o próprio estatuto para não expulsar “companheiros” que tiveram “condenação por crime infamante ou por práticas administrativas ilícitas, com sentença transitada em julgado”. O petismo oscila entre negar a existência dos esquemas e exaltar seus protagonistas, já que roubaram pelo bem do partido. As narrativas petistas se tornaram o buraco negro que suga até mesmo a pouca luz que aparece quando alguém se atreve a dizer que talvez o partido tenha feito algo de errado.

Restringir a necessidade de autocrítica apenas ao petismo, no entanto, é mostrar uma realidade incompleta. Jair Bolsonaro, que lidera com tranquilidade as pesquisas de intenção de voto e tem grande probabilidade de se tornar o próximo presidente do Brasil, também precisa acertar contas com algumas de suas posturas. O candidato já defendeu a tortura em geral e um torturador em particular – Carlos Alberto Brilhante Ustra, citado no voto proferido por Bolsonaro na votação pela admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Além disso, zombou publicamente de brasileiros que sofreram nas mãos da tigrada, como a jornalista Miriam Leitão – um caso em que um pedido de desculpas pessoal seria a melhor atitude.

Francisco Razzo: PT não (3 de outubro de 2018)

Leia também: A ameaça do PT à democracia é real (editorial de 8 de outubro de 2018)

Além disso, Bolsonaro também já fez diversas menções abertamente preconceituosas contra minorias, especialmente homossexuais. Não se trata apenas de uma frase dita no calor de uma polêmica ou como resposta a uma provocação, mas de declarações repetidas sobre um mesmo tema, em entrevistas e até na tribuna do Congresso. O grande problema, aqui, não está na legítima crítica a comportamentos ou a políticas educacionais, mas em frases que vão, aos poucos, erodindo o respeito à dignidade das pessoas.

Do petismo, infelizmente, não temos como esperar uma autocrítica enquanto líderes mais lúcidos não surgirem e tomarem as rédeas da legenda. Um exemplo do quão difícil isso tem sido é o fato de que mesmo o ex-governador gaúcho Olivio Dutra, que fala da necessidade de reconhecer erros do partido, se engaja na defesa apaixonada de Lula, que para ele foi condenado sem provas. Já Bolsonaro tem feito movimentos de retificação de posições passadas – como quando diz que não tem nada contra homossexuais, e sim contra certas plataformas defendidas na educação básica, como a ideologia de gênero –, mas sua insistência na defesa de um dos piores métodos da ditadura causa preocupação legítima, mesmo em muitas pessoas que votarão no candidato por estarem sinceramente convencidas do mal que o petismo representa. O futuro presidente não será governante apenas dos seus aliados ou apoiadores, mas de todos os brasileiros; a demonstração de respeito a todos eles e à dignidade que todos têm – e que é aviltada por práticas como a tortura ou o preconceito – é sinal de grandeza, ainda mais quando há a coragem de romper com convicções errôneas do passado.

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