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Editorial

A banalização das reformas

(Foto: Pedro França/Agência Senado)

Os seres humanos dispõem de fantástico instrumento de comunicação, que é a linguagem expressa por palavras e sua estrutura de significados derivados das próprias palavras reunidas em frases, orações e períodos, cuja finalidade é expressar raciocínios, juízos, vontades, afirmações, negações, dúvidas e informações sobre qualquer coisa que se queira comunicar. Para que a comunicação por meio verbal ou escrito entre dois ou mais seres humanos seja possível, as palavras têm significado e função dentro da frase e da estrutura do discurso. Quando uma palavra começa a ser usada de forma abusiva, com sentido ampliado fora de sua significação real, a comunicação empobrece e passa a ser fonte de confusão.

Um dos casos em que uma palavra já não serve para se referir àquilo que era sua função original vem ocorrendo com a palavra “reforma”. Reformar poderia ser definido, simplificadamente, como dar nova forma a algo. Atualmente, no âmbito político, de Estado e de governo, fala-se tanto em reformas que já não dá para saber exatamente o que isso significa. As estruturas estatais, os códigos de convivência (penal, civil, tributário etc), e os grandes programas governamentais existem a partir de um princípio geral, seguido da definição sobre o que se deseja com eles, qual é sua estrutura, que fins pretendem atingir, a quem beneficiar ou punir – fase que pode ser chamada de “concepção”, a qual é seguida por normas operacionais para seu funcionamento.

Uma instituição, estrutura ou programa deve ter duas partes essenciais: a concepção, conforme referida acima, e execução. As grandes questões nacionais, estruturadas, discutidas, aprovadas pelo parlamento e uma vez funcionando como programas, projetos, atividades e outras ações diversas, recebem o impacto da realidade e devem passar por ajustes para adequar seu funcionamento àquela estrutura definida e aos objetivos e resultados esperados em sua execução. Tomando como exemplo, a estrutura da Previdência Social e todo seu conjunto de normas funcionais compõem um gigantesco instrumento para cumprir o objetivo de obrigar a sociedade a pagar contribuições a fim de prover proteção em forma de aposentadoria, pensão, auxílio acidente etc.

A elevada complexidade dessas estruturas recomenda que, uma vez aprovada e posta em funcionamento, aquela estrutura somente deva passar por reforma quando identificadas falhas ou omissões de natureza sistêmica ou funcional. Porém, problemas meramente operacionais devem merecer ajustes, porém não reforma. Aqui entra o problema com as palavras. Reforma significa dar nova forma, nova estrutura, novas regras, nova razão de ser, novos objetivos e alterações de sua configuração. Reforma é alteração profunda que muda a concepção e os fins de determinada estrutura, programa, projeto ou atividade e, justamente por isso, a prática de fazer reforma não deve ser banalizada, no mínimo porque são coisas financeiramente onerosas em sua elaboração e implantação, e demoram anos para maturação, consolidação e estabilização e cumprimento de sua função.

A Previdência Social é um exemplo notório dessa realidade, e estruturas e políticas com essas características, ainda que possam sofrer ajustes para correção de rumos operacionais, não devem passar por reformas o tempo todo, sob pena de se tornarem verdadeiros monstros disformes e, por isso mesmo, falidos e incapazes de cumprir adequadamente seus objetivos e propósitos. Uma das razões que levam o Brasil a ser visto com desconfiança pelos investidores, sobretudo os estrangeiros, é que tudo vive ameaçado de reformas o tempo todo, todos os candidatos e os governos falam que tudo precisa de reforma, e isso demonstra duas coisas: ou o Brasil nunca reforma aquilo que está funcionando mal ou as reformas feitas são sempre ruins e precisam ser substituídas por outras.

Agora mesmo, o Partido dos Trabalhadores (PT) por meio de seu líder maior, seus dirigentes e seus candidatos a cargos no executivo e no legislativo, vem dando uma contribuição à ideia de que tudo vai mal e, por isso, falar em desfazer algumas reformas e fazer outras. O PT vem criticando algumas reformas feitas ultimamente, como a reforma trabalhista, a reforma da Previdência Social, a autonomia do Banco Central, além de outras. O Brasil já vem sofrendo com a desconfiança dos agentes econômicos – o que reduz investimentos em empresas e negócios no país – por uma reforma que não fez: a reforma tributária que é anunciada todos os anos e assim ajuda a piorar o ambiente de negócios.

A estrutura tributária brasileira é nitidamente uma coisa arcaica, onerosa e prejudicial à atividade econômica, tanto para empresários quanto para empregados e profissionais autônomos, além de ser um dos fatores determinantes da desigualdade de renda. Apesar de ser praticamente consenso que a estrutura tributária brasileira é péssima e de a reforma dela ser prometida todos os anos, por todos os governos, o máximo que tem sido feito são alguns remendos que, além de não resolverem o problema principal, pioram o que já é ruim. Agravando tudo, em todas reformas tributárias (ou meias reformas) feitas desde 1974, a carga tributária aumentou. Esse é outro problema: reforma tributária no Brasil virou sinômino de aumento da carga tributária.

Uma das marcas dos países desenvolvidos é que suas estruturas principais são estáveis e duráveis. Ainda que os governos mudem e tenham programas diferentes, existe segurança jurídica quanto à manutenção das estruturas, programas e políticas que permitiram ao país alcançar o desenvolvimento, e não se fica jogando o tempo todo com aquilo que é moldura institucional, como é caso das leis que regulam as relações entre o capital e o trabalho; a carga tributária e o arcabouço de impostos; e a configuração da previdência social. A banalização da ideia de reformas no Brasil e o fato de que as reformas realmente necessárias não serão feitas são costumes que continuarão em cena, sobretudo em anos eleitoral, e continuarão prejudicando o crescimento econômico e o desenvolvimento de que tanto o país precisa.

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